segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O voo da codorniz (XXXVb)

Pedras Muitas, Baleal, Portugal


(continuação disto)
Um dos encantos de entrar no Ano Novo em solo balealense é a pausa que a ilha oferece entre o ciclo que acaba e o que vai começar. Os dias antes e depois da Grande Noite são de partilha, descanso, risos e, em o tempo permitindo, passeios. Às Pedras Muitas, Almagreira ou mais longe, ao Forte, a Óbidos, ao lado de Peniche, ao Toxofal, à volta da ilha, ao café, a casa dos primos, onde quisermos.

Tabuleiros de Monopólio ou Pictionary, mesas com shisha ao meio (ou narguilé, nome que prefiro), baralhos de cartas, livros, leitores de DVD, chávenas de chá ou cálices de ginjinha, mantas quentes, máquinas fotográficas, cadernos para escrever e leitores de MP3, guitarras e livros com letras de canções estão entre os acessórios mais cobiçados. Todos gostavam de ter o que não trouxeram, mas as redes de toma-lá-dá-cá ou dá-cá-que-o-dono-não-está funcionam bem.

Foi quando nos preparávamos para ir buscar entreténs deste género, há dez anos, que o Gonçalo Formosinho nos gritou, do quarto dos rapazes, onde tinha ido buscar o casaco, pois caía uma chuvinha molha-tolos: "Epá, venham cá, preciso de ajuda!". O segundo e meio de que dispusemos para imaginar que raio de carga nos ia pedir para levarmos não durou mais do que isso... corremos para o pátio e descobrimos o motivo da aflição: o quarto dos rapazes estava a arder!

A culpada? A proverbial humidade da ilha, que obrigara a acender um velho aquecedor a gás para secar os colchões. Houve o cuidado de colocar aquele longe destes, mas uma labareda mais atrevida fugiu da resistência e atirou-se aos colchões e aos cortinados. Acto contínuo, uns telefonaram para os bombeiros, outros ligaram a mangueira, conseguiu-se arrastar o aparelho para fora do quarto e a chuvinha molha-tolos ajudou a arrefecer os ânimos (mas não impediu a querida Lija Baltazar, de quem guardo tão boas recordações, de ir para a sua varanda, do outro lado da travessa, de guarda-chuva em punho, para ver o que se passava).

Balanço final: uma cama queimada, armários enegrecidos, cortinas para o galheiro. O impulso de ir não-sei-onde buscar não-sei-quê surgira no momento certo, impedindo estragos maiores. E os reflexos do Gonçalo evitaram o prejuízo mais temmido: a guitarra eléctrica recém-trazida pelo Pai Natal. Foi por um triz, disseram os bombeiros, que a botija de gás não rebentou. O dia seguinte foi passado a pôr tudo em ordem e a verdade é que ninguém que entrasse no quarto após a nossa labuta diria que lá houvera um fogo. Ficou tudo impecável e nem sei se o Avô Nico chegou a saber do incidente. Mas deviam ter visto as nossas caras de pânico quando na manhã seguinte (a de um dia passado a limpar, a pintar, a arrumar) apareceu, sem aviso prévio, a Bli, tia de vários intervenientes. Perante a atrapalhação de quem lhe abriu a porta, e antes de saber do sucedido, só dizia: "Eu estou só de passagem, nem entro. Os meninos estão cá à vontade, não quero saber nada do que andam a fazer...".

Ainda hoje nos rimos ao recordar este episódio rocambolesco. O quarto dos rapazes já não está lá, a casa velha dos Formosinhos também não, mas há nisto tudo coisas que não morrem...
(a saga das passagens de ano no Baleal termina amanhã)

3 comentários:

M. disse...

oh, história gira.
não tenho passagens de ano com histórias mirabolescas.. quer dizer, tenho,mas não metem chamas.

beijinho de bom ano pedro*

João Paulo Cardoso disse...

Foi por essa e outras histórias que os westerns fizeram sucesso.

E o Baleal é, sem dúvida, um ex-líbris do nosso Oeste lusitano.
E quando selvagem é mesmo fogo!

Um abraço.

Huckleberry Friend disse...

M'zinha, um destes anos combinamos estar juntos na passagem... e criamos nós uma história fantástica qualquer! Feliz 2009 ;)

JP, o Faroeste português é o maior deles todos. E o Baleal é uma terra que o mar não deixa conquistar por inteiro! Abraço.