quarta-feira, 30 de abril de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXIII)

Praia da Falésia, Algarve, Portugal

Vuelvo al Sur esta noite. Que saudades! O segundo voo pelo Garbe leva a codorniz a paragens mais movimentadas do que a Costa Vicentina: pairamos sobre a Praia da Falésia, que é o chapéu comum sob o qual arrumamos os vários pedaços do areal que vai de Vilamoura ao Barranco das Belharucas (Olhos d'Água já fica para lá das rochas). Une-os a fímbria de rocha vermelha que a todos bordeja: Rocha Baixinha, Tomates, Pine Cliffs, etc.

São quase dez quilómetros de passeio. Sabe bem vencê-los a pé - munido de leitura farta e, não raro, deixando a meio do caminho algum inocente que se prestou a acompanhar-me -, mas o voo de hoje tem a particularidade de ter sido mesmo feito por via aérea, no ano passado, quando este vosso amigo se estreou nas sensações do parasailing. Que maravilha, as gaivotas a passarem-nos por baixo, em silêncio, e não ouvirmos mais do que o vento!

Gosto mais da Praia da Falésia pelo acessório do que pela sua essência, que não chego a captar, tal é a miscelânea que por lá se instala no Verão. Seduzem-me os poufs dos bares, o elevador do Pine Cliffs, as bolas de Berlim, o instalarmo-nos com a maior lata nas espreguiçadeiras reservadas a clientes de hotel, um ou outro desporto aquático, caipirinhas disto e daquilo e a já referida caminhada, que me permite ignorar tudo o resto.

Prefiro a Falésia ao fim da tarde, depois de ter passado o dia noutras paragens. Assisto à debandada, ponho em dia as conversas e o bronze, tiro fotografias parvas, dou um mergulho e preparo o regresso a Vilamoura, também a pé. Esperam-me amigos para jantar, um concerto algures ou copos e ilíacos a chocalhar...

É este um Algarve descoberto há poucos anos e em tudo diferente daquele que aprendi a amar desde pequeno e que continua a ser o favorito (e do qual falarei outro dia). Vilamoura, a Falésia e os arrabaldes são um Algarve sem memórias de infância, com um valor diferente, não direi que menos importante. Este Algarve teve de me seduzir. E eu tive de encontrar nele tudo o que, à partida, me parecia que nunca ia haver. Mas há. E vejo, felizmente, que não sou o único a pensar assim.


Pedro Abrunhosa, Algarve

terça-feira, 29 de abril de 2008

Esta manhã, na Marginal...

...quase sem desafinar, como quem quer trazer de volta o sol. Estiveste bem, deve ter sido dos morangos. Ou seria uma gaivota?


Diana Ross & Lionel Richie, Endless love

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Mão d'Água

Baleal, 17 Dezembro 2006 (PC)

Voltámos à sopa primitiva. Um pé na areia, depressa descalço, depressa submerso com o resto do corpo. Porque o princípio foi aqui e foi assim desde o princípio. À sempre comoção do regresso colou-se-nos a comoção inédita da estreia de um de nós. Que não levou, por frágil, o costumeiro carolo dos caloiros. Antes lhe passei uma mão pelo pêlo: gelada do mar, quentinha da ternura salgada que pus no passar, morninha da mão doce que repetiu o gesto antes de agarrar a minha. Fomos felizes.

Georg Friedrich Händel, Música aquática
(sei que gostas... foi das primeiras que ouviste)

Courrier Internacional n.º147

Já chegou às bancas a edição de Maio do Courrier Internacional. O tema de capa é o tráfico de mulheres e crianças, de que são vítimas dois milhões de seres humanos por ano. Também neste número, reportagens sobre turismo em Cabul (sabiam que havia?), drogas na Guiné-Bissau (esta deviam saber), sexo só por computador, sem tocar no parceiro (isto é pena que haja...), negócios em tempo de guerra (que é quando os há melhores) e ritmos vindos dos Balcãs. E agora, todos ao quiosque, para assegurarem o futuro deste vosso amigo bloguista!



Goran Bregović, Mesecina (Luar)
(do filme Underground, de Emir Kusturica)

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas...

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen

O dia amanhece quente em Lisboa. Anda-se pela cidade em mangas de camisa, trânsito não há e despertamos com a promessa de que há-de erguer-se um sol de Verão. Sensação de liberdade. Somos nós os teus cantores. Há 34 anos, disse Salgueiro Maia:"Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui." Nem todos eles eram Salgueiro Maia, mas obrigado, capitães de Abril! A todos os civis e militares que combateram uma ditadura bafienta de cuja herança o país tarda em libertar-se, um obrigado incondicional. O que veio depois veio depois.


Chico Buarque, Tanto mar II
(o meu Avô Quim aparece neste vídeo
e eu dedico esta entrada à sua memória)

Tanta esperança nascida em Abril e tanta efectivamente cumprida, apesar do muito Abril morto à nascença. Que ninguém diga que não valeu a pena, escundando-se para tal nas inúmeras tentativas e tentações que houve de cairmos num extremo oposto que em tudo se assemelharia ao que quisemos deixar para trás... essas foram vencidas e, se algo murchou da flor, a verdade é que não singraram os que queriam espezinhar todo o canteiro ou impor a padronização das flores em planos quinquenais.

O golpe militar que o povo transformou em Revolução foi único na génese, na passagem à prática e no que se lhe seguiu. Às vezes tenho pena de não ter estado cá para ver a festa, pá, e para sentir na pele os gelos e calores de que foi feita. Gostava de ter vivido o "nunca renegado PREC", como lhe chamou Zeca, com todas as suas utopias, excessos e possibilidades. No dia em que a Revolução ultrapassa a idade dos génios, é pacífico que há muito sonho por cumprir, muito resquício salazarento, muito cometido já depois da outra senhora, mas... que bom ter nascido em liberdade! Que bom termos podido mandar ao mundo um cheirinho a cravo e alecrim. Que bom termo-nos livrado do mofo. Do medo. Da merda de regime míope, velhaco e criminoso que tolheu Portugal durante meio século. Gosto do 25 de Abril. Gosto de sair à rua com uma flor vermelha na mão ou na lapela. Ponham à democracia os defeitos que quiserem: o facto de poderem fazê-lo é a maior prova de que valeu a pena Abril. E de que vale a pena Portugal.

Georges Moustaki, Portugal

25 de Abril sempre!

Primeiro foi esta...

Paulo de Carvalho, E depois do adeus

...e depois estas

Zeca Afonso, Grândola vila morena
Henry Russell, A Life on the Ocean Wave
(mais conhecido como Marcha do MFA)


FASCISMO NUNCA MAIS!!!

quinta-feira, 24 de abril de 2008

Blogues à quinta (XVIII)

O Eldorado

Visitem-no antes que ele acabe, se é que acaba mesmo! O blogue do JP já teve morte anunciada várias vezes, mas, tanto quanto pudemos apurar, nunca levou avante esse projecto audacioso. Vá-se lá saber porquê... Houve quem tivesse a malícia de afirmar que as sucessivas cartas de suicídio se destinavam a aumentar as audiências, mas espanta-nos que tal fosse necessário, porque a coisa tem qualidade, isso é indiscutível.

Desta vez, porém, fontes credíveis indicam que o fim é certo - a 30 de Abril -, sendo o principal indício a preocupação do blogmaster em não deixar que se afoguem em mágoas todos aqueles que encontram neste espaço motivos para dar boas e terapêuticas gargalhadas. A metadona d'O Eldorado já anda, qual gato escondido com o rabo de fora.

Mas de regressos falaremos mais adiante, se e quando os mesmos se verificarem... aproveitemos o fim da festa dourada. Hoje, tive o prazer de levar com um cravo vermelho assim que abri o blogue. E de rir a bandeiras despregadas com o relato hist(é)órico da Revolução, quase tão estimulante como as várias sexy singers dos anos 80 que por ali vão desfilando (atenção, cada palavra é um link). Destaquemos ainda as aulas de futebol para miúdas, um chorrilho de jardinadas e uma carta ao Coelho da Páscoa. E agora, vá, toca a ir depressa em busca d'O Eldorado... até ao fim do mês há promoções, depois o homem desampara a loja e é bom que não nos deixe desamparados. Abraço, JP!

Ofícios de Torquato

Foto do blogue Ofício Diário (há mais aqui)

Fim de tarde bem passado na companhia de Torquato da Luz, cujas pintura e poesia fomos ver na Junta de Freguesia de São João de Brito, ali mesmo ao pé de casa. Fiquem a saber, antes de mais, que a exposição dura até 12 de Maio e merece ser visitada.

Foi engraçado entrar na sala a tentar adivinhar quem seria o artista, que só conhecíamos da blogosfera. A tarefa não se revelou complicada: Torquato é um fiel retrato do blogue que vai preenchendo com quadros, poemas e fotos (já falámos dele aqui). Alia simpatia, humildade e sentido de humor. É algarvio e tem uma família encantadora, da qual descobri já conhecer algum membro.

O passeio pelos quadros - cada um associado a um poema, como no blogue - foi entrecortado por copos de vinho, queijo, presunto e outros acepipes e pela conversa que fluiu, escorreita, desde o primeiro momento. Sem quase darmos por isso, a tarde tornou-se noite. Saímos bem dispostos e com vontade de repetir, a cada dia, a visita ao blogue do Torquato. Obrigado, amigo!

terça-feira, 22 de abril de 2008

Para quê complicar?

Ingredientes: uma única folha de papel, tesoura e mãos. Eis as obras apresentadas a um concurso da Galeria Hirshorn de Washington DC, ou de como pouco pode chegar para fazer muito. É só querermos... (obrigado, prima Peanut, por me teres mostrado isto!)


























sexta-feira, 18 de abril de 2008

Cais das Codornizes (XII)

Com o fim-de-semana à porta, a sugestão é partir em busca de um sítio mágico. Um lugar que se torne o centro da Terra, uma fonte de vida, o começo do infinito. Um recanto escondido onde só se possa ser feliz. Nestas coisas, nada como prescrutar as origens. Se o Cais das Codornizes nasceu com Tes gestes cantado por Moustaki e Reggiani, ouçamo-los de novo. Serge no codornizes, Georges no cais. Em busca do paraíso...


Serge Reggiani, C'est là

Blogues à sexta (XVII)

Os meus encantos

Quando o codornizes recebeu o prémio "É um blog muito bom, sim senhora!", passou-o a seis outro blogues. Quis o acaso que os mesmos pertencessem, precisamente, a seis senhoras. A última delas - só por causa da ordem alfabética, atenção! - é a Cris, cujos encantos hoje destrinçamos. Esta semana houve blogues à quinta e à sexta, já que na semana passada a rubrica falhou...

Os meus encantos é um espaço que pacifica quem o visita, mormente quando passa músicas como a dos Black Sabbath que está a tocar hoje. Gosto da cor do fundo, do visual limpo, da cor chocolate com que a autora escreve coisas bonitas. Até o facto de a maioria das fotos ser a preto e branco ou sépia dá a este blogue uma coerência tranquilizadora. E parabéns à blogmistress pelo rigor na atribuição de créditos, que infelizmente ainda não se generalizou na blogosfera!

Com intervalos de alguns dias entre entradas, a Cris combina prosa, poesia e imagem em apontamentos muito pessoais, mas não despudorados. Aos seus versos sentidos alia os de outros autores, os tais que dizem o que nem sempre conseguimos pôr cá fora (e que dão tanto jeito!!!). Os vídeos e as músicas também dão um ar de sua graça. Mas sejamos claros: neste blogue, a pole position pertence à escrita. Num tom intimista, a graças ao destaque dado a alguns comentários enviados por gente amiga, nasce um diálogo sincero e despretensioso, às vezes comovente.

Só dois reparos antes da visita guiada a Os meus encantos: 1) não sei se será do meu monitor, mas o arquivo do blogue, os links e a música de fundo aparecem cá em baixo, onde raramente algum leitor chega. Não dá para puxá-los para cima, ao lado do texto? 2) não consigo encontrar links individuais para cada entrada, o que seria muito conveniente para o parágrafo que se segue...

Vamos lá, então, fazer uma selecção das entradas mais recentes da Cris: um fim de tarde com sabor a sal, uma prova de amor fraternal, danças sobre primaveras, um recado para um pai, açúcares, campos verdes com rios dentro e um mimo de mãe para filha. Parabéns pelos teus encantos, Cris! Que continuem a encantar-nos...

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Blogues à quinta (XVI)

Piano

Mais uma semana, mais um blogue que gosto de visitar, ao ponto de lhe ter passado esta batata quente. Descobrir, tecla a tecla, o piano da Isabel Mendes Ferreira é uma experiência tão saborosa quanto o seria sentarmo-nos na rosa de pedra de Paulo Neto, que hoje abre o blogue, a ouvir a música que desata a tocar mal chegamos (sobre esta, tive pena de não encontrar informação de título e intérprete).

É difícil caracterizar este piano. Ao ler as entradas que o vão preenchendo, sinto-me, acima de tudo, desafiado. Tenho a sensação de que a autora lança reptos, fragmentos cuja coerência nos cabe encontrar - e há sempre uma! -, combinando-os ou complementando-os com o que nos vier ao espírito. As imagens são grandes e absorvem-nos o olhar (tenho a sorte de ter um monitor grande no meu local de trabalho), sobressaindo do fundo preto. As palavras mudam de corpo, tipo de letra e tamanho, obrigando o pensamento a acertar agulhas, e há silêncios _________ llansolianos.

O blogue mantém um grande número de entradas online. Não tem lista de links nem arquivo (é pena), apenas o perfil da autora, que tem mais um blogue, de acesso restrito, e colabora noutro. Um périplo pelos conteúdos mais recentes traz-nos corpos e pedras debaixo do céu, esqueletos e lágrimas férteis, serpentes luso-francesas à beira-mar, esboços a preto e branco, travos e trevos de fogo, a sereníssima Veneza e anjos ao ocaso. Continuaremos a saltar pelas brancas e pelas pretas, Isabel. Felicidades!

quarta-feira, 16 de abril de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXII)

A Corunha, Galiza, Espanha

A marginal da semana passada e a quantidade de memórias que suscitou levam a codorniz a procurar outras maresias. Ei-la que voa para Norte e sai (sai?) do país, seduzida por um passeio marítimo mais sinuoso, com curvas e contracurvas por onde circulam os eléctricos que Lisboa não quis. Que prazer o de descer, uma vez mais, o istmo que liga Portugaliza a A Corunha! É uma cidade sempre amiga, quer nos acolham amigos de braços sempre abertos - que a cada visita nos ensinam mais uma das belezas que há nos arredores - ou, da única vez que deles nos desencontrámos, um modesto quarto de hotel atrás do estádio do Deportivo.

São manhãs a ver o porto da varanda da Charo e do Ánxel (e o Chus, por onde andará?), tardes a descobrir Rias Altas e Baixas, passeios pela barafunda das rúas do centro ao fim do dia, uma vieira aqui, um pulpo à feira acolá, raxo e zorza bem regados, conversas nocturnas na Baía de Riazor/Orzán. Ora falamos a mesma língua, ora nos entendemos sem nada dizer. À socapa, de madrugada, A Corunha prepara-nos surpresas de que só nos daremos conta depois de termos deixado para trás as terras galegas, com um adeus e uma saudade necessariamente provisórios. A cidade deseja que voltemos, só pode, ou não se nos gravaria na pele com a força de uma vaga contra a Costa da Morte, o calor que pela garganta escorre quando bebemos queimada, o peso das pedras que mantêm de pé, há 1900 anos, a Torre de Hércules, farol que guia navios tresmalhados e coluna (corunna, em latim) que deu o nome à terra a que dedico este poema alheio.

Georges Moustaki, C'est là
(a versão cantada está mais acima)

C'est là que le monde commence
C'est le début de l'infini
Jardin secret couleur de nuit
Royaume d'ombre et de silence
Terre promise île déserte
Refuge crypte et oasis
Jardin de nos plus doux délices
Source toujours redécouverte
C'est là le centre de la terre
Où se rencontrent nos envies
C'est là que se donne la vie
Royaume d'ombre et de mystère
C'est là que commence le monde
Là où ta main guide ma main
Pour mieux lui montrer le chemin
Au coeur d'une forêt profonde
J'y découvre des paysages
D'étranges fleurs d'étranges fruits
Dans cette étrange galaxie
Où me conduisent mes voyages
C'est là le centre de la terre
Le saint des saints le lieu précis
Où de naguère à aujourd'hui
Je me noie et me désaltère
C'est là que le extase commence
C'est le début de l'infini
Jardin secret couleur de nuit
Où tu recueilles ma semence

terça-feira, 15 de abril de 2008

Músicas que ficaram (VI)

Eis-me, pela penúltima vez (por agora!), a debitar discos que me marcaram (está quase, Marta!). Já cá faltava Reggiani, ao vivo como nunca tive ocasião de vê-lo. Em palco, dava asas ao talento dramático, gracejando e improvisando sketches. Actor de renome, diseur como poucos, começou a cantar depois dos 40 anos. E só parou quando morreu, no mesmo dia que Carlos Paredes. "Quando soubemos, ficámos sem dizer nada, ouvíamos as músicas dele, mas não cantávamos", recordou-me alguém, há tempos. Agora cantamos, cada vez mais alto. Esta manhã, trocámos versos desta canção linda, à qual Serge apunha, como prefixo, um poema de Guillaume Apollinaire:



Reggiani em public - Olympia '89, Serge Reggiani (Sous le pont Mirabeau/Et puis)

Verdadeiro choque de titãs no que a música e poesia diz respeito, a entrega de hoje traz também "o capitão do mato / Vinicius de Moraes / Poeta e diplomata / O branco mais preto do Brasil / Na linha direta de Xangô, saravá!". Com Toquinho, o que não é despiciendo. O disco é lindo, só o tenho em vinil - é um de muitos - e sei as letras quase todas de cor. A bênção, poeta!



São demais os perigos desta vida, Vinícius e Toquinho (Regra três)

E terminamos com Rick Wakeman, pianista e compositor que aprecio quando não exagera no tom new age. Este álbum, que ouvi vezes sem conta num walkman, faz parte de uma trilogia: mar, campo e noite. Gosto de adormecer ao som destas árias ou destes ares (tradutore, traditore)...



Sea airs, Rick Wakeman (The sailor's lament)

Entregas anteriores: I, II, III, IV & V

Espírito Olímpico

Simbologia do logotipo dos Jogos de Pequim






Nota: Se alguém souber quem é o autor dos desenhos, faça o favor de dizer. Procurei, mas em vão.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Um mimo à hora do almoço

Era miúdo quando comecei - sem dar por isso - a trautear o Concerto n.º20 para Piano e Orquestra de Mozart (K466). Nas noites da Praia da Luz e nas tardes de Inverno do Toxofal, o meu pai punha-o a tocar num leitor de cassetes que veio a ser, mais tarde, o primeiro que tive na minha mesa-de-cabeceira. Brincar com música de fundo é uma forma nada chata de aprender a apreciar coisas bonitas.

Hoje, uma leitura matinal deu-me vontade de voltar a ouvir este concerto. Não era um texto sobre música nem sobre memórias de infância, mas deixou-me na boca um sabor a pureza reencontrada. Furto-me a dizer mais sobre o que li e peço a quem mo mandou que não se denuncie, caso leia isto. Mas, por ter ficado sem palavras, quero agradecer com música.

Wolfgang Amadeus Mozart, Concerto n.º20 para Piano e Orquestra K466 (Friedrich Gulda, ao piano, dirige a Orquestra Filarmónica de Munique)

1. Allegro (dois primeiros vídeos)
2. Romanze
3. Allegro assai Rondo


1. Allegro (primeira parte)


1. Allegro (segunda parte)


2. Romanze


3. Allegro assai Rondo

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Cais das Codornizes (XI)


Entre cais e codornizes, temos seis irmãos - três manas e três manos. Fazem um corte transversal na pirâmide etária: são adultos, adolescentes e crianças. Têm semelhanças entre si e connosco, mas, sobretudo, personalidades vincadas e singulares. É a eles e a elas que dedicamos a esta Maninha, porque os irmãos estão sempre lá para nós, a recordar canções e a afastar papões. Como não podia deixar de ser, escolhemos versões cantadas por irmãos: Caetano e Bethânia para a Sofia, Chico e Miúcha para o Pedro.


Chico Buarque e Miúcha, Maninha

Se lembra do futuro
Que a gente combinou
Eu era tão criança e ainda sou
Querendo acreditar que o dia vai raiar
Só porque uma cantiga anunciou

I'd like to be / under the sea...

Duas canções, dois propósitos: celebrar a actualização do Beatles Forever! e pedir ao santo meu homónimo que permita uma mergulhaça no fim-de-semana. Vá lá, pá!


The Beatles, Octopus's garden (para a Teresa)


Juan Luis Guerra, Borbujas de amor (para quem sabe,
com imagens d'A pequena sereia da Disney)

quinta-feira, 10 de abril de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXI)

Da Azarujinha a Cascais, Portugal

O paredão tem 2,7 quilómetros. Ou 5,4, porque o fazemos nos dois sentidos. Descida a exígua e traiçoeira escadaria que conduz à praia da Azarujinha, Moustaki diria que on part avec le cœur qui tremble / du bonheur de partir ensemble / sans savoir ce qui nous attend. Antes de mais, há que auscultar o ritmo da respiração do mar, a batida cardíaca de cada nuvem e o compasso escolhido pelas gaivotas para o seu piar, algures entre o guincho e o choro.

Canta-se quase sempre. A dois, a três ou a solo. Quando é a solo, os outros tentam descobrir que música é que o solista está a estragar, ou se estará apenas a fazer coro com as gaivotas. Fala-se quase sempre. De muita coisa. Daquilo que é importante e daquilo que passa a ser porque nos seduz à passagem. Mas, acima de tudo, olha-se - sempre, e como não? - para quem passa. O paredão é um viveiro. Famílias nas esplanadas, casais a passear bebés lindos, grávidas a prometer igualar-lhes o feito, miúdos a correr ou a azucrinar os crescidos com os porquês tipicos da idade que têm, adolescentes no namorico ou a arrastar as horas em grupo (que bom!), velhos com energia de atletas e, inevitavelmente, caras amigas com quem pôr em dia a vida, as preocupações e as utopias.

Azarujinha, Poça, Piscina Alberto Romano, Tamariz, Moitas, Duquesa, Conceição, Rainha. O prémio para quem chega a Cascais é um petisco ou outro, cerveja ou Coca-cola, seguidos de Santini se a fila não for proibitiva. Se for, paciência. Paciência e um palavrão a escapar-se-nos pelo canto da boca. Depois de callejar um pouco pela vila - livros usados, roupa inacessível, jornais estrangeiros, pormenores arquitectónicos e geográficos -, o eterno debate: alguém protesta cansaço, fala-se em voltar de comboio, cede-se ao marulhar das ondas e ao bronze dos últimos raios de sol e acaba-se por decidir que o caminho será feito a pé até onde der e com todas as paragens que as pernas ou as costas pedirem.

Mas não pedem. Distraem-se com a espuma, que desafia a balaustrada nos troços em que a há e que mina o equilíbrio dos andarilhos quando se espraia pela largura da pista de dança. Quando damos por nós a pedir tréguas, já a torre cor-de-rosa de São João do Estoril está demasiado perto para que valha a pena pensar em alternativas (quando muito, o consolo de um gelado Olá se o Santini tiver falhado). A penantes, pois, até à minúscula enseada onde tudo começou. Fotografando tudo o que provar merecê-lo. Algures a meio do périplo, um mergulho que sabe melhor porque alguém fica a ver. O mar impregna-se-nos na pele e desconfio que é por isso que voltamos sempre a responder ao apelo do paredão. Estou convencido até de que é a pensar nisso que mergulhamos.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

Soberbo


Uma das mais bonitas salas de Lisboa foi ontem inundada pela voz do melhor contratenor (o meu registo preferido) do mundo. Trazido pela Gulbenkian e acompanhado pelo grupo Lux Orphei, que dirige, o basco Carlos Mena brilhou, na Academia das Ciências, em oito cantatas e um lamento. As cantatas ficaram-nos nos ouvidos. O lamento colou-se-nos à boca quando tivemos de deixar a sala, findo o recital. Obrigado a quem convidou, obrigado a quem se nos juntou, obrigado pela agradável conversa ao intervalo.


Carlos Mena, Salve Regina de Tomás Luis de Victoria
(acompanhado ao alaúde por Juan Carlos Rivera)

NOTA: Não consegui encontrar nenhuma das peças interpretadas no serão que relato. Ouvimos Benedetto Ferrari, Bernardo Storace, Giovanni Sances, Claudio Monteverdi, Alessandro Scarlatti, Antonio Cesti, Giovanni Bononcini e Georg Friedrich Händel.

terça-feira, 8 de abril de 2008

What the Huck?!

Huckleberry Finn numa ilustração de E.W. Kemble

O dia em que o codornizes cumpre seis-meses-seis é o momento certo para desfazer equívocos e devolver ao simpático rapaz da imagem a identidade que nunca lhe quisemos roubar. Este é Huckleberry Finn, o amigo de Tom Sawyer, que aparece nos livros As aventuras de Tom Sawyer, Tom Sawyer detective, As viagens de Tom Sawyer e, claro está, As aventuras de Huckleberry Finn. Mark Twain terá baseado esta figura em Tom Blankenship, filho de um bêbado que vivia numa barraca ao pé do rio Mississípi, atrás da casa onde o escritor foi criado, em Hannibal, Missouri.

Este é Huckleberry Finn, que tem toda a pinta de ser um gajo porreiro, mas nada que ver com o nome com que que assino as entradas deste blogue.

Onde fui buscar, então, o Huckleberry Friend? À belíssima letra de Moon river, a canção de Henry Mancini (música) e Johnny Mercer (letra) que inaugurou, quase por acaso, o codornizes. E que já cá apareceu outras quatro vezes. Já carregaram nos quatro links? Então ouçam e vejam uma sexta versão ao sexto mês. É das mais bonitas. Conduziu-me a ela um precioso blogue e foi por isso que decidi elevá-la a hino deste ninho.


Audrey Hepburn, Moon river (do filme Breakfast at Tiffany's)

Henry Mancini afirmou, um dia, que Moon river fora escrito para Audrey Hepburn: "Nunca houve ninguém que a percebesse de forma tão completa. Há mais de mil versões desta canção, mas a dela é inquestionavelmente a maior". Tinha toda a razão. Quando Audrey morreu, a Tiffany's pôs uma enorme fotografia dela na montra, dizendo apenas "To our Huckleberry Friend" (obrigado pela dica, Teresa).

E porque há huckleberries em Moon river? Johnny Mercer explicou que, em miúdo, costumava ir apanhar huckleberries com os amigos, à beira do Mississípi (onde brincava, roubava e fumava Huckleberry Finn, reparo agora!). De onde a referência a este fruto silvestre num poema sobre sonhos, sonhadores, arco-íris, corações partidos e o muito mundo que há para ver.

Moon River, wider than a mile,
'm crossing you in style some day.
Oh, dream maker, you heart breaker,
wherever you're going I'm going your way.

Two drifters off to see the world.
There's such a lot of world to see.
We're after the same rainbow's end
waiting 'round the bend,
my huckleberry friend,
Moon River and me.

Não pude deixar de ir investigar que raio vinha a ser um huckleberry... é uma baga, ou melhor, são várias, pertencentes a dois géneros da família Ericaceae: Gaylussacia e Vaccinium (este é o que inclui o mirtilo). Dois géneros que se ramificam em mais de 40 espécies, com cores que vão do vermelho vivo ao azul-arroxeado quase preto.

Gaylussacia brachycera


Gaylussacia baccata


Gaylussacia dumosa


Vaccinium parvifolium

Vaccinium uliginosum

Ao contrário do que possa parecer, não são groselhas nem mirtilos. Não sei como chamar-lhes em português. Vi huckleberry traduzido por baga de murta, uva-do-monte e fruta-do-lobo. Mas não me importa o nome: quero provar esta fruta. Vai-me saber, estou certo, às coisas boas da vida, e será o equivalente sápido ao som de Moon river, ao prazer de escrever e receber visitas neste blogue, à elegância de Audrey Hepburn, à beleza de quem amo, ao futuro que nos espera para lá da curva do rio.