quinta-feira, 10 de abril de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXI)

Da Azarujinha a Cascais, Portugal

O paredão tem 2,7 quilómetros. Ou 5,4, porque o fazemos nos dois sentidos. Descida a exígua e traiçoeira escadaria que conduz à praia da Azarujinha, Moustaki diria que on part avec le cœur qui tremble / du bonheur de partir ensemble / sans savoir ce qui nous attend. Antes de mais, há que auscultar o ritmo da respiração do mar, a batida cardíaca de cada nuvem e o compasso escolhido pelas gaivotas para o seu piar, algures entre o guincho e o choro.

Canta-se quase sempre. A dois, a três ou a solo. Quando é a solo, os outros tentam descobrir que música é que o solista está a estragar, ou se estará apenas a fazer coro com as gaivotas. Fala-se quase sempre. De muita coisa. Daquilo que é importante e daquilo que passa a ser porque nos seduz à passagem. Mas, acima de tudo, olha-se - sempre, e como não? - para quem passa. O paredão é um viveiro. Famílias nas esplanadas, casais a passear bebés lindos, grávidas a prometer igualar-lhes o feito, miúdos a correr ou a azucrinar os crescidos com os porquês tipicos da idade que têm, adolescentes no namorico ou a arrastar as horas em grupo (que bom!), velhos com energia de atletas e, inevitavelmente, caras amigas com quem pôr em dia a vida, as preocupações e as utopias.

Azarujinha, Poça, Piscina Alberto Romano, Tamariz, Moitas, Duquesa, Conceição, Rainha. O prémio para quem chega a Cascais é um petisco ou outro, cerveja ou Coca-cola, seguidos de Santini se a fila não for proibitiva. Se for, paciência. Paciência e um palavrão a escapar-se-nos pelo canto da boca. Depois de callejar um pouco pela vila - livros usados, roupa inacessível, jornais estrangeiros, pormenores arquitectónicos e geográficos -, o eterno debate: alguém protesta cansaço, fala-se em voltar de comboio, cede-se ao marulhar das ondas e ao bronze dos últimos raios de sol e acaba-se por decidir que o caminho será feito a pé até onde der e com todas as paragens que as pernas ou as costas pedirem.

Mas não pedem. Distraem-se com a espuma, que desafia a balaustrada nos troços em que a há e que mina o equilíbrio dos andarilhos quando se espraia pela largura da pista de dança. Quando damos por nós a pedir tréguas, já a torre cor-de-rosa de São João do Estoril está demasiado perto para que valha a pena pensar em alternativas (quando muito, o consolo de um gelado Olá se o Santini tiver falhado). A penantes, pois, até à minúscula enseada onde tudo começou. Fotografando tudo o que provar merecê-lo. Algures a meio do périplo, um mergulho que sabe melhor porque alguém fica a ver. O mar impregna-se-nos na pele e desconfio que é por isso que voltamos sempre a responder ao apelo do paredão. Estou convencido até de que é a pensar nisso que mergulhamos.

10 comentários:

Sofia K. disse...

Adorei esta tua entrada! Perfeita, ou quase. Faltou dizer que as minhas sandálias tinham mais de dez centrímetros de altura, o que torna ainda mais heróico o feito. Não te parece?

E além disso, desta vez, falhámos o gelado e o El País! :(

No regresso volta-se a dormitar ou a cantarolar, quando a música não deixa que o cansaço vença! Não é?

beijinhos

anamoris disse...

Passei toda a minha infância a fazer esse passeio com o meu Pai e a minha Irmã ao Domingo de manhã. Tu não sabes Huck como foi para mim ler o teu texto. Voltei a ter oito anos e a sujar-me toda com gelado de morango e chocolate do Santini.
Obrigada por esta viagem no tempo

Anónimo disse...

Esta praia da Azarujinha traz-me de volta a adolescencia (oh santa irresponsabilidade tão boa!)
Passava-se de lá para a praia da Poça, recordas-te? E ia-se até Cascais,paredão fora, e, claro, um gelado no Santini!

Vou deixar-te, à guisa de agradecimento dois vídeos que achei a maior das ternuras!
Vê e delicia-te porque são o maior encanto!

Hey Jude, que versao soberba!
http://youtube.com/watch?v=fqXYwNDrU8k

e, vê este que é uma coisa!....

Baby Blood
http://youtube.com/watch?v=i9WmKre5O2I


Um beijo, Huckle!
Obrigada.
Só este teu post para hoje me por melhor, acredita!

Cris

Huckleberry Friend disse...

...o que torna ainda mais heróico o feito e sonoros os protestos de cansaço, quando os há (e eu sem El País que me distraísse!). A verdade, dearest, é que estiveste muito bem, sobretudo se tivermos em conta que faltou o combustível Santini aditivado e que não fomos tentar substituí-lo por travesseiros de Cascais. Já não me lembro da banda sonora do regresso... recorda-me lá! Beijos grandes, como as vagas daquele dia.

Anamoris, que bom teres gostado! Devemos ter começado a fazer o paredão com a mesma idade... Desta vez não cheguei a lambuzar-me com gelados do Santini, mas é coisa q a idade adulta (quéisso?) não me impede de fazer! Beijinhos.

Cris, ainda bem que a minha entrada te pôs melhor, e espero que se tenha ido embora o que quer que seja que te tenha posto pior... Sabes, tenho uma foto em bebé, ao colo da minha mãe, na Azarujinha. Devia ser do tamanho do puto do primeiro vídeo que mandaste, mas ainda só ouvia José Barata-Moura ou Ana Faria e os Queijinhos Frescos! Ambos os filmes são deliciosos. Aliás, tocaram-me especialmente (manda-me um mail se quiseres saber porquê...). Beijinhos grandes!

blue disse...

obrigada :).

votos de um bom mergulho.

Huckleberry Friend disse...

Assim o sol o permita... ou, se não, desafiaremos a chuva! Beijos, blue. Bom fim-de-semana!

ana v. disse...

Que saudades do paredão! Fazia-o às 8 e meia da manhã, às vezes até mais cedo, todos os dias, em passo acelerado. E começava o dia com uma energia fantástica! Sem mergulhos, claro, que a essa hora a água é puro gelo. Agora subo e desço montes e vales em Sintra, é bem mais difícil...
beijinhos

Anónimo disse...

Eu estou aqui a pensar que, pela forma como descreves, nós cruzámo-nos, com toda a certeza!
Entre idas para a Azarujinha, vindas, passeios até Cascais, uma corrida maluca porque um dos do grupo (o Nuno Homem de Sá, que agora anda nas novelas, mas, que há uns anos, me chamava dezôito, porque eu era Minhota) resolveu "palmar" na feira popular, uma pedra do Majjong, e, desata tudo a correr, entre risos e gritaria e aqui a Cris a ir ter à estação (era a mim que tinham passado a peça...rsss), nós cruzámo-nos!
Recordo-me que fazia também parte do grupo um Olaf Zimmerman. O pai era terrível mas nós lá desafiávamos o nosso amigo e vinhamos às quinhentas para casa!
Uma noite, iamos todos a assassinar umas musicas do Lou Reed, e eis que damos pela falta da minha prima Belinha (morávamos todos em S.João do Estoril, nós, no Bairro Oliveira do Conde, outros na Alapraia)
Ninguém a via.
Voltámos para trás e um de nós lembrou-se que ela poderia ter caido lá baixo.
Não te passa!
Ninguém tinha coragem para olhar aquela parte dos rochedos até que desatámos a gritar por ela.
Tinha caído mesmo! Só que, por sorte, foi cair num arealzito entre rochas!
Durante 15 dias não houve passeio para ninguém, nem mergulhos (ainda se podia tomar banho na boa, em qualquer uma das praias) porque ela ficou de tal forma dorida que nem os pés conseguia por no chão!
Valeu-nos um castigo colectivo!
Ainda hoje falamos nestas maluquices, naqueles bailes tenebrosos nos bombeiros, havia sempre uma de nós que desafiava o homem dos gelados e das bolas de berlim, para dançar, para grande raiva da namorada dele...rss...
Até um filme fizemos(policial...ehehehe) no comboio entre S.João e Lisboa.
Ai, Huckle, eu adoro essa zona!
Sempre que posso, vou até lá (a minha prima acabou por casar e ficar em S.Pedro, num aldeamento óptimo, e matamos saudades, acompanhadas pela peça de Majjong que ficou para recordação...rsss.

Um beijo e eu mando o mail, claro.
Infelizmente aquilo que aconteceu há dias não passa com tanta facilidade.
É um problema de saúde grave, com a minha irmã...
Não vou falar agora em nada que entristeça.
Importa que este teu texto me trouxe uma saudade boa, Pedro.
Obrigada.
Os vídeos são mesmo uma ternurinha, não são?

SP disse...

Estive aqui a olhar... Prometo voltar.
Um abraço!

Huckleberry Friend disse...

Ana, nem de propósito... no último fim-de-semana, troquei o plat pays do paredão pelo relevo sintrense. E olha que não me dei mal! Beijinho.

Belo relato, Cris (ou devo dizer "dezôito"?)! Devias contar estas histórias no blogue, para mais gente poder apreciá-las e soltar umas boas gargalhadas. Aqui fica outra deixa: as noites quentes a petiscar na Feira do Artesanato.
Desejando o melhor possível para esses problemas, despeço-me com um beijinho... e agora vou ler o teu mail.

SP, fico contente! Vemo-nos por aí! Abraço.