Verão de 1995. Muito calor em Atenas. Templos, souvlaki, mussaka, bugigangas no Plaka e passeios em ronceironas. Éramos quatro: a minha irmã, eu e as anfitriãs Stella e Myrto, estas em constante algaraviada, como boas mãe e filha gregas. Fugidos da capital sufocante, aliviou-nos uma ilha esguia e árida, pouco menos do que Óbidos posta em cima do mar tépido, com montanha em vez de muralha e atravessada por brisas frescas ma non troppo.
Hydra não tem carros. Uma mula diminuta levou-nos as malas do delicioso porto até à morada do casal Panagyotou, tão hospitaleiro quanto mouco. Alugavam quartos sem licença. Se aparecesse fiscal, avisaram, éramos primos. E que déssemos cumprimentos a um amigo que tinham em Lisboa, de seu nome António. Se o mesmo for leitor do codornizes, ficam entregues, com 13 anos de atraso.
O resto foram passeios de barco, kalimeras e kalisperas a cada esquina, tentativas de decifrar os letreiros em grego, um escaldão na planta dos pés para um(a) dos veraneantes e pôres-do-sol no bar Hydronetta, antes ou depois de banhos de mar numa praia de seixos, ali mesmo ao lado, onde a Myrto invectivava os psaraiki (peixinhos) que nos vinham fazer companhia. Deixo-vos uma imagem da Wikipedia e um poema que a saudade inspirou.
(cliquem para aumentar, que vale a pena)Requiem no Mar Egeu
Dizias-me (em Hydra) que o mar leva
os que quiser, bebendo mazagrins
fermentados em copos muito altos
no nosso canto à entrada da baía
o pintor abraçava uma sereia
muito loira, vê na fotografia
que lhe invejei as pernas nas manhãs
em que as gaivotas eram só contraltos
agora não vejo o Peloponeso
sei de uma buganvília só na cal
da ilha, candeeiro de azeite aceso
sobre o mar que te quis para maré cheia
mas diz-me, a quem se paga o funeral?
às mulas velhas? às velhas? whatever…
Lisboa, 14 Novembro 2000
10 comentários:
Interessante este teu escrito sobre uma viagem à Grécia.São experiências que nos ficam para toda a vida.
Abriu-me o apetite para visitar.
Bjos.
Muito bom este post!
Prosa e poesia de viagem.
Agora é compilar outros textos do género, esgalhar um bom título e editar nem que seja com recurso a empréstimo bancário!!
Peço desculpa pelas expressões dúbias "compilar", "esgalhar" e sobretudo a mais ordinária de todas "empréstimo bancário".
Um abraço.
Passei mesmo so para deixar um beijinho e um sorrisito=P
Também já estive em Hydra, em 99, 2000? não sei bem. Não eram burros, as tuas mulas? Fiquei num quartinho sobre um bar mesmo no porto. E os gatos? Ahh os gatos gregos... cheios de pelo farfalhudo, uma delícia.
Lindo, o teu poema :-)
Que bonitas recordações... :) e o poema!
São momentos que não se esquecem, Manuela. Tão-pouco se repetem, mas os sítios de que gostámos continuam lá, à nossa espera, prontos para serem palco de novas histórias.
JP, perdoado que está uso do vernáculo (o "empréstimo bancário" foi absolvido por uma unha negra...), deixa-me dizer-te que a ideia me parece interessante... abraço!
Por entre o luar, um beijinho grego para ti!
Tcl, eram mulas, pois! E sim, havia muitos gatos. Não são santos do meu altar, mas fazem parte do colorido local. Nas esplanadas dos restuarantes, roçavam-se-nos nas pernas como se fossem velhos amigos. Beijos :)
Maria João, obrigado e beijinhos!
...eu nunca tive na Grécia, gostei de ver...
beij
Piedade, se é bonito em foto, imagina ao vivo. Agora enchi-me de saudades, agravadas pelo facto de ter visto há dias um belíssimo documentário sobre Sophia de Mello Breyner, grande amante das terras helénicas... beijinhos!
Quantas grécias há na Grécia? Tantas,quantos os olhares que as descobrem...A Hydra não cheguei...Tentarei numa próxima,se houver.Obrigada pelo clima que conseguiste transmitir.
Falta-te ir a Hydra, Addiragram? A mim ficaram-me no goto - de fotos tiradas por outros - Siros, Paros, Naxos, Mikonos e Santorini. O Peloponeso, claro, Salónica e a inevitável Creta. Que a vida nos ofereça ocasiões para colmatar essas falhas! Bom fim-de-semana.
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