terça-feira, 14 de outubro de 2008

Se eu soubesse, dizia-te


Se eu voar sem saber onde vou
Se eu andar sem conhecer quem sou
Se eu falar e a voz soar com a manhã
eu sei...

Vincent van Gogh, Esplanada do café à noite
(Arles, 1888)

Sei que dás por ti a meio do voo e, à falta de melhor conselho, digo-te que esqueças as vertigens. Intuo a tentação de não desceres à Terra entre cada duas nuvens e prometo não franzir o sobrolho julgador. Engulo o arrepio egoísta de não poder dizer se te reservam liras ou trovoadas, chuva ou algodão-doce. Guarda o pára-quedas para outros abismos, na verdade, porque não hás-de continuar a voar, sem mais fim que descobrir o destino do voo?

É quase, verás, como as caminhadas em que me lanço ao deus-dará. Deixo aos pés a condução e acho sempre que vou perceber onde a vida me leva. Às vezes distraio-me a tentar ler o desenho que algum avião ou criatura voadora faz no céu e trauteio aquela canção do Reggiani, que não conheces. Daí, talvez te prenda a atenção o contorno que os meus passos esboçam nas superfícies irregulares que calcorreio. Lembras-te dos livros de passatempos de quando éramos miúdos: una os pontos? Se adivinhares o que é, diz qualquer coisa.

Sei que falas sem saber a que vai soar a voz. Tenho de recordá-lo constantemente à sobrancelha teimosa e a mais do que um coração. Não tem de vir na manhã o teu momento de glória (desde que venha!), já partilhámos minutos pouco memoráveis à mesa dos cafés. Rio sem parar de noites que foram tuas, de destrinçar no teu rosto os rubores distintos dos copos e da história que eles promoveram ou tentaram apagar. Rio quando os nossos dias têm sabor, porque gosto do que acontece em ti.

Banda sonora adicional: A mesma música pela Sara Tavares (num belíssimo blogue), a que gostava que conhecesses e uma que quem tiver de perceber percebe.

5 comentários:

Anónimo disse...

oh meu querido essa miuda que canta é fantástica....lol...obrigada!!!!e adorei o texto...mtos parabéns...bjinhs ana k.

Lord Broken Pottery disse...

Huck, meu amigo,
Texto fantástico! De se ler e depois voar.
Grande abraço

Huckleberry Friend disse...

Cunhada linda, como vês também serves de inspiração ;) beijos cúmplices e nunca pares de cantar!

Lord, muito obrigado. Bons voos, boas aterragens, hoje e sempre!

Anónimo disse...

É quando se chega ao sublime.
Não poderia estar mais de acordo com meu querido Lord.
Um beijo.
M.

Huckleberry Friend disse...

Muito obrigado, Meg... bons voos e vê, ali mais para cima no blogue, um presentinho que te deixei ;) Beijos