terça-feira, 8 de julho de 2008

O voo da codorniz (XXVIII)

Jardin du Vert Galant, Île de la Cité, Paris, França

Fica na pontinha da ilha onde nasceu a Cidade-Luz, com o Pont Neuf - o mais velho de todos - a delinear-lhe a estrema. É pequeno, mormente à escala de Paris, mas veremos que é grande. A pequenez deste quarto de hectare resulta da concatenação de pequenezes ainda mais pequenas, ilhotas que houve no Sena em tempos idos. Numa delas, foram queimados os últimos templários.

O verde galante que dá o nome a este recanto é Henrique III de Navarra, que foi IV de França no limiar dos séculos XVI e XVII. Casou sem amor com Margarida de Valois (filha da megera Catarina de Médicis, vejam o filme com a Isabelle Adjani) e teve incontáveis amantes. Ela não se ralou, preferia o provençal Joseph Boniface de La Môle, cuja cabeça terá embalsamado quando Carlos IX o mandou esquartejar. Não divaguemos, porém: verde e galante era Henri, imortalizado em estátua no jardim que aqui nos traz. Verde e galante é este square, ainda poiso dilecto de galantes enamorados, não importa se verdes, se maduros. Quem me dera lá neste fim de tarde...

Tinha 10 anos quando visitei Paris pela primeira vez, com o meu Pai, a minha irmã Filipa e a Avó Gina. Apaixonada pelo Vert Galant, foi ela que me contou a história deste jardim, uma de muitas. E que guiou os meus primeiros passos pela cité, do alto da Torre Eiffel (que detestava) aos estaminés dos pintores da Place du Têrtre, do impressionista Quai d'Orsay à impressionante Sainte-Chappelle, y compris Louvre, grands boulevards, Quartier Latin, bouquinistes e esse bolo de noiva a que chamam Sacré-Cœur.

Há que explicar que o meu Pai ia em trabalho e só se nos juntava ao fim da tarde. Durante o dia, a Avó metia-se connosco no métro e lá íamos calcorrear Lutécia. Nós delirámos e ela também. Já voltei à cidade muitas vezes e em nenhuma deixei de sentir saudades dela e daquela estreia prodigiosa. Sempre bem disposta, aguentou uma suspeita de bomba no avião à ida (palavra!) e, com ainda maior estoicidade, ensinou Paris a dois netos frenéticos (os 11.º e 14.º dos 21 que tem, sendo que os bisnetos serão 26 antes do fim do ano). Se fosse viva, a minha Avó faria hoje 90 anos. Este apontamento sobre o seu querido Vert Galant é o beijinho de parabéns que gostava de poder dar-lhe.

NOTA: As fotos são, por ordem, de Robert Doisneau, Eugène Atget e Marcel Bovis

8 comentários:

Mário disse...

Pois vais busacr fotografias ao Robert Doisneau e não pedes ao Mário Cordeireau.
Estive na pontinha do Vert Galant, há dias, a respiraar o ar intenso e a relembrar os teus avós, que sempre que iam a Paris faziam uma jura de amor nesse ponto tão enigmático de Paris.

Tu sabes, porque tiveste o privilégio de passear com ela (até ela perder dois kilos por dia!), inclusivamente teimando que a Bastilha ainda existia e querias ver as ruínas - e ela o privilégio de passear em Paris contigo e com a tua irmã. Bons tempos, Setembro de 1989, dito assim parece até antes da Guerra de 14-18.

90 anos, pois é, o tempo passa. E lembras-te do empregado do Hotel, que passou a tratar-nos como reis depois de recebermos a visita do Embaixador de Portugal? De pedintes a "onorevole" em menos de um fósforo.

Já não contarei aqui algumas das tuas birras dos dez anos de idade, mas relembrarei o particular interesse pelo "mot de Cambronne"... na estação do dito.

Tenho saudades. Da tua avó, de Paris, de ti.

Beijinhos, meu filho "primogénito".

Mário disse...

Lembras-te da ameaça de bomba correspondente a uma mala de 20x20 centímetros (minúscula, pois) que um tal Monsieur Ubu, passageiro da Air France, teria enviado no porão (ainda mais estranho, dadas as dimensões da dita), e cujo não se encontrava a bordo?

Tivemos que fazer o reconhecimento das nossas malas e consta que fizeram explodir o petit paquet do monsieur.

Tudo isto em Setembro, mas antes do 9/11...

PS. corrige os erros ortográficos do comentário anterior, que estou a escrever de um cyber café, tipo taxímetro - o preço exploratório destes ingleses não dá para rever textos!

ana v. disse...

Bonita homenagem, Huck. A Paris e à tua avó.
Beijinho

addiragram disse...

É destas memórias que se faz a nossa "arqueologia" afectiva! Linda homenagem a uma avó linda! Beijinhos para ti.

Virginia disse...

Quando me olho ao espelho vejo traços da tua Avó...o Charles Aznavour diria: Voilá tu ressembles à ta Mére!, em tom depreciativo. Para mim não é.
Gopstaria de me parecer com a minha Mãe, tua Avó, pois ela foi para mim um exemplo de vida e sobretudo da alegria de viver.
Quem me dera poder pegar no telefone a dizer-lhe das coisas bonitas que se passam, as pequenas e grandes que todas lhe interessavam...
Que me dera, Pedro....

Bicas

Huckleberry Friend disse...

Pai, este comentário foi merecidamente elevado a entrada. Acho que isso basta como resposta ;) beijinhos e obrigado!

Ana, obrigado e um beijo também.

Addiragram, gostei particularmente da expressão "arqueologia afectiva". É uma actividade a que gosto de me dedicar. Beijinho!

Olá, querida Tia Bicas! Bem-vinda a este ninho de codornizes e parabéns pela estreia. Comoveu-me a evocação da alegria de viver da Avó. Testemunhei-a nos momentos que partilhámos e no brilho que lhe inundava os olhos ao contar-nos as histórias da infância dela, das viagens com o Avô, dos filhos, dos netos, da casa grande do Restelo, etc. Ou de cada vez que pegava num bisneto ao colo. É nossa obrigação dar a conhecer o seu legado àqueles que já não tiveram a sorte de conhecê-la. Beijinhos grandes!

Anónimo disse...

Ia apenas olhar, pois é uma comemoração evocativa em família.
Mas, como li ai a Ana, deixo aqui também meus parabéns e a fascinação pelos belos resultados evocativos.
Sim, que expressão bela e apropriada: arqueologia afectiva!
Um grande beijo
Meg

Pedro Cordeiro disse...

Querida Meg, é sempre tão bom ler os teus comentários ;) como vai tudo desse lado do charco? Por aqui as comemorações familiares continuam, agora no tempo futuro! Beijinho grande.

Huckleberry Friend