segunda-feira, 30 de junho de 2008

Poema para acabar o mês

Claude Monet, L'été, champ de coquelicots

Junho

A aragem que corta o calor
É a única mensagem
Que me chega neste instante

O sol fingindo ser dor
E o cantar daquela rola
São uma brincadera tola
Delírio desabafo diletante

São a causa ou o pretexto
Para mais uma tentação
De fugir ao meu contexto
Sabendo que o faço em vão

Toxofal de Baixo, 8 de Junho de 1996


O codornizes vai de férias
até 7 de Julho

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Hoje é dia de festa

Parabéns!


Hoje é o 179º dia de 2008, por estarmos em ano bissexto. Faltam 187 dias para acabar o ano e 115 para um dia muito mais importante. Estamos a 27 de Junho, dia em que...

Foi fundada a República de Dubrovnik (1358)
Pedro, o Grande, derrotou Carlos XII da Suécia na Batalha de Poltava (1709)
Houve um crash na Bolsa de Nova Iorque (1893)
Joshua Slocum terminou a primeira circumnavegação do globo em solitário (1898)
Houve um motim a bordo do couraçado Potemkin (1905)
Foi feita a primeira demonstração de TV a cores, em Nova Iorque (1929)
Os EUA decidiram mandar tropas para a Guerra da Coreia (1950)
A primeira central nuclear do mundo foi inaugurada em Obninsk, perto de Moscovo (1954)
O primeiro multibanco foi instalado em Enfield, Londres (1967)
O Djibuti tornou-se independente (1977)
Mohammed Ali deixou os ringues de boxe (1979)
Sofia Knapič nasceu nas Caldas da Rainha (1985)
A Eslovénia foi invadida, dois dias após ter proclamado a independência (1991)
Foi publicado o primeiro volume de Harry Potter (1997)
O Papa João Paulo II beatificou 28 ucranianos (2001)
Tony Blair demitiu-se de primeiro-ministro do Reino Unido (2007)

Os gémeos da miúda:

Ladislau I da Hungria (1040-1095)
Imperador Manuel II Paleólogo (1350-1425)
Luís XII de França (1462-1515)
Hellen Keller (1880-1968)
Guilhermina Suggia (1885-1950)
João Guimarães Rosa (1908-1967)
Krzysztof Kieślowski (1941-1996)
Isabelle Adjani (1955-)
Tobey Maguire (1975-)
Raúl González (1977-)

Finaram-se neste dia:

Afonso V de Aragão (1396-1458)
Giorgio Vasari (1511-1574)
Joseph Smith Junior (1805-1844)
António de Oliveira Salazar (1889-1970)
Georgios Papadopoulos (1919-1999)
Jack Lemmon (1925-2001)
George Patton IV (1923-2004)

É dia internacional dos surdos-cegos, dia do mestiço no Brasil, dia do jornalista na Venezuela, dia dos veteranos no Reino Unido, dia dos sete dorminhocos na Alemanha, dia do ano novo rauliano, dia do imperador Juliano (padroeiro dos neopagãos), dia de São Cirilo de Alexandria, São Nicolau, São Ladislau e Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Mas é, sobretudo,

o teu dia!

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Ainda Marvila...

Ponte ferroviária de Xabregas (foto do blogue Bic Laranja)


O último voo da codorniz - centrado na freguesia lisboeta de Marvila, mas abrangendo também partes do Beato, São João e Santa Engrácia - mereceu ao meu amigo e cunhado Tiago Vitorino Queiroz este comentário. Que merece, da parte do codornizes, ser elevado a entrada. Um abraço, Tiago.

Meu caro amigo,

Esta terra de ninguém tem sido muitas vezes a capital de bons momentos passados.

Aliás o título não poderia ser mais correcto porque não há "nada" como o charme decadente dos sítios que sobrevivem dignamente apesar de desgastados pelo tempo, pelos maus hábitos e pela crueldade do ordenamento humano do território.

Marvila é um desses sítios, marginal por definição, por vezes rude, outras algo exótica... Enfim, somos conquistados pela sua alma, pelos seus recantos inesperados e por aquela luz subtilmente diferente das outras desta cidade (só os verdadeiros lisboetas conhecem estes cambiantes da luz...)

Para quem não sabe, eu sou lisboeta. Aliás sou um lisboeta orgulhoso, que se considera conhecedor da sua cidade

E talvez tu não saibas Pedro, mas há uns anos, não sei precisar quantos - talvez três antes do ano da Capital do Nada, foste tu que me despertaste a atenção por Marvila. Pela tua mão os seus nomes, recantos e lugares ganharam um lugar especial no meu léxico lisboeta...

Sugestão de voo para que não conhece (ou conhece mal) este não-lugar:
Desviem o vosso curso habitual na rotunda do relógio, virem para Chelas e sintam o prazer único de descer e serpentear pelo vale de Chelas em direcção a Marvila, passando pelo Beato. Se, ao passarem por baixo da ponte ferroviária, se sentirem invulgarmente sorridentes e descontraídos, se a viagem "vos bater", é óbvio que são lisboetas. Se não forem, passarão a sê-lo honorariamente... bem vindos ao clube, bem vindos à Capital do Nada.

Pedro...
...Obrigado.

Let's, pois!


David Bowie, Let's dance

A melhor forma de não me esquecer do dia 27 de Junho é dançar ao som de alguém nascido a 8 de Janeiro. Beijinhos...

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Enganaram-se no ninho?

Vamos lá espreitar o Statcounter, para ver o que procuravam alguns dos internautas que os motores de busca conduziram a este ninho...


alc8mhnbyjg
Ou de como o codornizes já tem leitores extra-terrestres...

calorias ovos codorniz
P'amordeus! Isto já é motivo de preocupação? É o que dá estarmos na saison do biquini... ó filhas, comam lá os ovinhos e bebam mas é menos jolas e evitem os Magnuns da Eva Longoria!

como está espanha nos dias de hoje
Seguramente caliente, até porque está prestes a ganhar o Europeu, vingando o mano luso da desfeita germânica (ui, tanto portuguesinho que ficava com azia se fosse o malvado castelhano a bater o carrasco alemão...). Há semana e meia, Espanha estava deliciosa, pelo menos a Sul. Mesmo deliciosa! Hoje, não me importava de ir lá verificar... mas há que ganhar a vida, ¿a que sí?

fungaga da bicharada instrumental
É uma das músicas da minha infância, não em versão instrumental, mas na voz sempre doce - e acompanhada de dezenas de crianças - do mais tarde Magnífico Reitor José Barata-Moura. Tenho de desenterrar esses discos de vinil todos até ao Outono...

galeria de quadros de pablo picasso que tenha chuva
Já apareceram no codornizes várias galerias de pintura. As mais concorridas foram as do Dia da Mãe (I, II, III e IV), mas antes já cá tinha posto uma sobre dança, com um bonus track do Leonard Cohen e tudo! Mas isto não é a secção dos discos pedidos, ora bolas! Quadros do Picasso com chuva parece-me um pouco deslocado para esta altura do ano... vá, prometo pensar nisso no próximo Inverno.

gilberto gil é ateu
E daí? Também eu!...

imagem dos macacos chineses com gestos de mão na boca olhos e ouvidos
Nem macacos nem gestos, que isto é um ninho de aves educadas. Não quero propriamente esticar o dedo do meio a quem pediu isto, mas... manquem-se!

letra da musica ao luar de beethoven
Experimentem a letra do Fungagá, a ver se cabe na métrica...

msn de meninas de bom jardim
Mesmo que eu tivesse, não dava! Estendia a mão às ditas cujas e ia ver se o tal jardim era mesmo bom.

ninho de pata
Será preciso aumentar a letra do cabeçalho? É c-o-d-o-r-n-i-z-e-s, 'tá?

poema sobre o por do sol em fernando de noronha
Paguem-me o avião e o hotel - a mim e à Mrs., já agora -, e prometo voltar com um soneto, uma ode, uma redondilha ou mesmo um alexandrino.

porque o cavalo de joão só falava inglês?
Beats me. Mas a música é lindinha, né? "Now I was a hero / and my horse spoke nothing but English / The cowboy's bride / was you besides the other three"... Oh, Francis of Holland, you're great!

porque é o queijo um alimento religioso
Não sei, já disse que sou ateu. Mas olha que alguns queijos cheiram pior do que o enxofre dos Infernos e o enjoativo incenso dos Céus... e quanto pior cheiram, melhor sabem!

tubitek
or not tubitek. Eis a questão.

tudo sobre maryellen trouxas
Com um nome desses, até a convidava para ir a algum jardim. Só depois é podia contar tudo, tudo, tudo. Mas não contava!

terça-feira, 24 de junho de 2008

O voo da codorniz (XXVII)

Vale de Chelas, freguesia de Marvila, Lisboa, Portugal

Muita gente não dá nada por esta zona da cidade. Mas eu gosto de Marvila e das coisas bonitas que por lá há para quem quiser vê-la com olhos de ver. Quero centrar-me em duas palmeiras magricelas que há ali entre Chelas e as Olaias. Vêem-se melhor na imagem abaixo, do LiveSearch da Microsoft, do que na do Google Earth. Estas árvores estão num texto que escrevi, em 2001, para um projecto chamado Lisboa, capital do nada. Foi publicado num livro que recolheu tudo quanto se produziu para esta iniciativa da Associação Extra-Muros. E republica-se, hoje, aqui.


Nada… estranha palavra. Nada, na voz dela. Mais limpa e num timbre algo diferente do habitual, pareceu-lhe. Nada ou talvez o sol a pôr-se entre duas palmeiras exíguas e restos de luz coalhada a tornar especial um terreno indigno de se reparar nele. Eu próprio – corrigiu – indigno de que se repare em mim. Pelo menos ela. Quanto tempo tardará o dia em que nem tocado pelo pôr-do-sol me vejas? Quantos pôres-do-sol para que volte a ser nada?

Esta paisagem... nenhures. É o nome que o nada toma quando é lugar, assim como é ninguém se se faz pessoa e nunca se se torna momento. Nunca tinha reparado nos matizes destes prédios feios. Como se para tal tivesse de me sujeitar a não ser. Claro que não embarcaria de ânimo leve em tamanha cedência – ah, o orgulho! –, mas a verdade é que fiquei ninguém quando desapareceste atrás do poste de iluminação com as tuas palavras, as tuas pestanas, as tuas lágrimas off-the-record. Afinal, tornaste-me capaz de habitar este nenhures, andando ao deus-dará, fazendo deste nunca o meu agora.

Estranha palavra – repetiu de si para si –, estranho processo de aplicá-la às coisas. Estranho ainda dizer “isto não é nada”, nomear o objecto e negar-lhe o ser logo a seguir. As palmeiras, por exemplo. Nunca tinham sido nada, mas agora dava pelo ombro encostado à da esquerda enquanto olhava para cima e pensava que deviam estar ali há muito tempo. Viram todos os nossos pôres-do-sol, concluiu, mas nessa altura nem o pôr-do-sol era mais do que um pretexto ou pano de fundo.

Será que as coisas existem em estado puro? Ou não existe nada? A força deste pronome-indefinido-advérbio-nome-comum que o diga. O nosso homem olhou a superfície metalizada do rio, ao fundo, enquanto recordava o diálogo tido há pouco com a amada perdida (ou ele para ela):

- E agora?

- Agora?!

- Sim, nós, isto... o que é isto?

- Isto não é nada!

- Nada?

- Nada, nada... que não te afogas.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Subscrevo de cruz


Amparanoia, El destino (ao vivo em Atenas, mas a recordar Loulé e a estender uma mão cúmplice)

Con el destino nunca
se está tranquilo
Pero si tú me llamas
yo me voy contigo

Uma promessa antiga...

...prestes a ser cumprida!

James Bowman e Michael Chance, com o King's Consort,
dirigido por Robert King, Sound the trumpet




James Bowman e Michael Chance, com o King's Consort,
dirigido por Robert King, In vain the am'rous flute


Faixas do disco Countertenor Duets and solos by Henry Purcell and John Blow

Falta menos de um mês

Futebol? Quéisso?! O importante é que o gajo vem aí:


Leonard Cohen & Judy Collins, Hey, that's no way to say goodbye

I loved you in the morning, our kisses deep and warm
your hair upon the pillow like a sleepy golden storm


NOTA: Escolheu-se a versão dueto por se gostar de coisas a dois e porque, como mostrou a Rosarinho, as canções de Leonard Cohen ficam sempre bem noutras roupagens.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Fez anteontem oito anos...

Hat-trick de Sérgio Conceição no Portugal-Alemanha
da fase de grupos do Euro 2000 (Roterdão, 17 Junho 2000)


Nem todas as equipas B jogam como jogámos
no domingo passado...


...e nenhuma equipa A joga como vamos jogar hoje.
Não é, malta?

terça-feira, 17 de junho de 2008

Como foi quando cheguei?

Não havia ecografias, não se fizeram exames, o povo só sobe quando a coisa já ia adiantada. Há 30 anos, uma pequena parte do mundo esteve à minha espera. Não me lembro da última viagem desse tempo, a primeira de um outro. Foi em Lisboa, no Inverno, e há quem diga que é sempre traumatizante para o protagonista. Disso não ficou memória... o amor que recebo há quase três décadas e o que desejo dar para o resto da vida trazem-me a suspeita de que a vertigem que sentiu quem cá andava não deve ter sido diferente da que invade quem cá anda agora. Pedro Guerra, que a viveu há pouco, cantou-a como ninguém, no Gran Teatro Falla, em Cádis, no sábado passado. Tive a sorte de lá ter estado, em boa(s) companhia(s).
Pedro Guerra, Cuando Pedro llegó

La ilusión se hizo latido
y el latido un garbancito en su interior
poco a poco el garbancito
tuvo dedos labios ojos corazón

la inquietud golpeaba el nido
culebrillas en el vientre de mamá
y la resta de los días
fue sumando vida contra la ansiedad

hubo fiesta en las flores
se inundaron los cauces
de todos los ríos
y al unísono todas las voces
hablaron de amor

se brindó en las tabernas
se encendieron farolas
en pueblos perdidos
y las musas brindaron canciones
cuando Pedro llegó

la emoción cuadró su rumbo
la cabeza entre los pliegues del amor
rompió en luz un mes de julio
y el tic tac del mundo dio su aprobación

la ilusión cumplió sus cuentas
del latido a la caricia del dolor
la mirada que despierta
guarda en su inocencia todo lo que soy

hubo fiesta en las flores
se inundaron los cauces
de todos los ríos
y al unísono todas las voces
hablaron de amor

se brindó en las tabernas
se encendieron farolas
en pueblos perdidos
y las musas brindaron canciones
cuando Pedro llegó

segunda-feira, 16 de junho de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXVI)

El Puerto de Santa María, Andaluzia, Espanha

Procura-se um sabor de há cinco anos. Imperativo reconhecer aquela esquina, aquela porta, aquela mesa, a travessa onde molho o pão sem que me ralhem. Ansiedade em cada fachada amarelada, em cada pátio aflorado, em cada palmeira a ritmar a avenida, em cada ladrilho a nomear as ruas. Como se houvesse painéis a indicar quantos quilómetros quedam para não-sei-onde, mas sem desvendar as terras a que a estrada conduz. Gargalhadas regateadas. Já lhes perdi a conta e são tantas e faltam tantas...

Ouço "é aqui". Não longe, a deusa Gades, de mão na fronte e seios descobertos, não deixa de olhar em redor. Tão-pouco eu, interrompendo a volta de 360 graus só pelo que ouvi e vi que era certo. Venham do oceano os que o sulcam e da terra as que crescem por ela dentro, abrindo olhinhos com bravura. Venha quem encontrou o que procuro, quem através de outro mar aceita frutos com um sabor de há cinco anos, um sabor para daqui a cinco mil. Venha quem quer que eu tenha sido, ontem, em El Puerto de Santa María. A passar as mãos por raras cãs ou franjas mais ou menos assim. Como se da mistura de umas e outras fosse feita a melena do poeta daqui ou tais filamentos servissem para fabricar as asas de quem ele queria.

Rafael Albertí, El ángel bueno

Vino el que yo quería
el que yo llamaba.
No aquel que barre cielos sin defensas.
luceros sin cabañas,
lunas sin patria,
nieves.
Nieves de esas caídas de una mano,
un nombre,
un sueño,
una frente.
No aquel que a sus cabellos
ató la muerte.
El que yo quería.
Sin arañar los aires,
sin herir hojas ni mover cristales.
Aquel que a sus cabellos
ató el silencio.
Para sin lastimarme,
cavar una ribera de luz dulce en mi pecho
y hacerme el alma navegable.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Baú das codornizes (X)

Esta é para um certo esquilo que eu conheço e que nunca pára quieto. Continua assim!


Genérico de Alvin e os esquilos

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Não vos pedimos mais do que já fizeram!


E isto nada tem que ver com raças, senhor Presidente!!!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Guernica 3D

A artista nova-iorquina Lena Gieseke pegou na Guernica de Picasso e deu-lhe mais uma dimensão. O resultado é muito interessante. Quantos detalhes nos podem passar despercebidos num dos quadros que mais vezes vimos? Quantas mais o observaremos, cientes de que o horror retratado há 70 anos permanece actual? Mal posso esperar pela próxima visita - ainda por agendar - a Madrid.

Lena Giesecke, Guernica 3D

Um abraço ao primo Zé Guilherme, que me mandou este vídeo.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Teve tudo de uma canção de amor

Um dedo mindinho entrelaça-se no meu: "Vem!". Convence sem puxar, deslizam os outros quatro e os cinco da outra mão e os dez dos pés. Nada sei. Entras-me na noite, no mar, na pedra. Há babugem nas janelas, há salsugem. Rugem se roubas ao céu a Coroa Boreal. Saímos madrugada, não destapo o que segredas. Há mensagens em garrafas verdes, melros de anil metal assobiam-nos à passagem. Mostras-me carneirinhos lãzudos e passo-lhes a mão pelo pêlo ao jurar que era azul a onda que me enrolaste. Aceito a manhã no instante em que a deténs. Mais um beijo.
Tu muchacho



Paul Simon, Everything about it is a love song

If I ever come back as a tree, or a crow
Or even the wind-blown dust
Find me on the ancient road in the song when the wires are hushed
Hurry on and remember me, as I'll remember you
Far above the golden clouds, the darkness vibrates

The earth is blue

A noite das rainhas

Quarta parte das memórias da Bela Vista. Leia a primeira, a segunda e a terceira.

Faz hoje quatro anos que acabou o primeiro Rock in Rio alfacinha. Era domingo e chegámos cedo. Infelizmente, não a tempo de ouvir a batucada teatral e espectacular das Tucanas. Ouvimos, isso sim, Luís Represas. Mas de passagem, que o homem tem boa voz, mas as canções a solo - salvo honrosas excepções como Feiticeira, Fora do tempo, Chave dos sonhos, Desencontro ou Por mão própria - não se comparam às dos Trovante... teria preferido, se soubesse, ir à Tenda Raízes ouvir a espanhola Amparo Sánchez e os seus Amparanoia. Desvendou-mos mais tarde a minha amiga Elena, pouco antes de virem tocar (e eu estive lá!) no Festival Mediterrânico de Loulé.

Foi a arrastar os pés, confesso, que me deixei levar pela cara-metade para junto do Palco Mundo. Ivete Sangalo ia levantar poeira e o pacto era vermos um bocado do concerto, para depois irmos com calma até outras bandas. Qual quê! A mulher puxou tanto pelo público, foi tão simpática (chorou, apoiou a selecção, proclamou-se de dupla nacionalidade, etc.), que acabou por me conquistar, para o que não nego terem contribuído dois sorrisos de orelha a orelha (o da miúda que cantava e o da que dançava de mão dada comigo) e as memórias de noites em discotecas várias ao som da Banda Eva. Fiz questão de ficar até ao fim e acho que nunca tive os dois pés no chão ao mesmo tempo. Dançámos tanto, tanto, tanto, que quando aquilo acabou parecia mentira o sol ainda estar alto no céu...
Ivete Sangalo, Sorte grande (poeira)
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 6 de Junho de 2004)

A actuação seguinte era a de um chato chamado Alejandro Sanz. Baldámo-nos. Por indisfarçável desinteresse e porque o concerto da Mariza na Tenda Raízes, que era para ter durado 40 minutos, se espraiou por duas horas. "Já percebi o vosso jogo... andam para aqui a pedir extras, mas quando chegar o Sting deixam-me sozinha", disse às tantas, fingindo amuo, para logo a seguir dividir o público em dois sectores, para ver quem cantava mais alto a Lisboa menina e moça. Não tendo encontrado vídeos do Rock in Rio, deixo-vos com um da fadista em Londres, com um dos meus fados preferidos (é divertidíssimo vê-la tentar explicar a história de amor aos bifes). A letra é do grande David Mourão-Ferreira.

Mariza, Barco negro
(ao vivo em Londres, 22 de Março de 2003)

Em noite de descobertas, foi dos poufs que ficámos a conhecer Alicia Keys. Andar pela Bela Vista cansa, e nesses tempos fazia calor no Rock in Rio. Que voz potente, a daquela rapariga então menos premiada e conhecida. Já se lhe auspiciava o futuro que tem vindo a ter. Uma palavra para o giro que é encontrar amigos, conhecidos e até familiares entre a multidão. Gente que não víamos, por vezes, desde o infantário, primos mais novos que vimos nascer, "cotas" que já não imaginávamos capazes de abanar o capacete. E pessoas de quem juraríamos que um festival destes não faria nada o seu género. A festa que fazíamos uns aos outros...


Alicia Keys, If I ain't got you
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 6 de Junho de 2004)


Já deve ter dado para verem que a noite foi das mulheres. Tanto assim é que me abstenho de mostrar as prestações dos dois senhores que encerraram a noite e a edição de estreia do Rock in Rio. Isto porque Sting deu um concerto morno, como por vezes sucede na apresentação de álbuns novos (que diferença passados dois anos, em breve contarei essa noite!), e Pedro Abrunhosa teve o azar de começar tarde, pelo que lhe cortaram o pio ao fim de meia hora. Depois do fogo de artifício da praxe, voltámos para casa exaustos, mas de papo cheio. E, escusado será dizer, viciados na Bela Vista.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

O piano que tocava sozinho

Terceira parte das memórias da Bela Vista. Leia a primeira e a segunda.


Voltei ao Rock in Rio - na edição de 2004 - há exactamente quatro anos, após dois dias em que o programa seduzia menos. A 30 de Maio, cantaram, entre outros, Foo Fighters, Evanescense e um tipo chamado Charlie Brown Junior que vi urrar na TV. A 4 de Junho, Incubus, Sepultura, Slipknot e Moonspell, nenhum deles santo do meu altar. Tive pena de não ver Metallica, que tão-pouco verei este ano, mas a onda daqueles dias não era, claramente, a minha... a não ser na Tenda Raízes, por onde passaram os interessantes Angélique Kidjo (Benim), Terrakota (Portugal), Manecas Costa (Guiné-Bissau), Gaiteiros de Lisboa (Portugal), Souad Massi (Argélia, uma fadista magrebina que me maravilhou, mais tarde, em Loulé) e Faltriqueira (Galiza). Paciência, não se pode ter tudo...

E, porque não se pode ter tudo, no dia 5 chegámos tarde para ouvir Nuno Norte (prova de que os programas televisivos de caça-talentos não são completamente inúteis). Quanto entrámos na Bela Vista, já o inenarrável João Pedro Pais ocupara o palco. Desculpem, sou alérgico. Tenho-o na conta de um tipo simpático, mas a música é abaixo de cão. A sério, faz-me mudar de posto de rádio. Ainda escutámos alguns acordes do franco-vietnamita Nguyen Lê, nas Raízes, antes de pôrmos as ancas a dar a dar ao som das Sugababes. Chapa um, mas giras e divertidas.


Sugababes, Round round
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 5 de Junho de 2004)

A estrela cadente que hoje é (e já então era, mas menos gente sabia) Britney Spears foi a senhora que se seguiu. Hora de jantar para nós, claro... mas sem resistir a dar uma espreitadela. Lá estava a miúda, envolta em látex preto e a descuidar-se no playback. Falava com o público enquanto a sua voz gravada cantava, levantava-se do piano e este continuava a tocar, uma alegria! Foi a Amy de 2004, igualmente má profissional, mas mais banal e sem a qualidade musical que a outra tem quando não está toda marada.

O consolo veio com uma banda que não conhecia, de seu nome Feijão Frade (lol), numa altura em que o nosso grupo fora enriquecido com primos, amigos e alguns litros de cerveja. A música chama-se "Tá calado", mas era a última coisa que queríamos que eles fizessem...


Black Eyed Peas, Shut up
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 5 de Junho de 2004)

A faina terminou num ritmo ainda mais acelerado. Por todos os motivos acima expostos e porque foi Daniela Mercury a encerrar a noite. O que a mulher dança! E o que a gente dança quando ela canta! Fecho o capítulo com uma música de muitos Verões e muitas cumplicidades. Curiosamente, uma canção sobre Caetano e Gil, que ontem passaram aqui pelo blogue. E sobre a mãe de Caetano e Bethânia, a ilustre centenária Claudionor Viana Teles Veloso (Dona Canô), a quem dedico - e porque não? - esta entrada.


Daniela Mercury, Dona Canô
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 5 de Junho de 2004)

quarta-feira, 4 de junho de 2008

Surpresa com mar fora

Deliciosa culpa tua: as minhas unhas quase pelo sabugo. Supresa com mar fora, dizes, e não mais. Vou ficar assim, de azul à frente e olhos muito abertos. A ver tudo com muita atenção. Como de cada vez que planeias uma coisa destas. Como de cada vez que te saem sem programar, e a mim outras. Como de cada vez que as surpresas o são para os dois. Que a dois são sempre e é tão bom, não vai?


Caetano Veloso, Surpresa

Que surpresa
Beleza

Luz acesa
Certeza

Que saudade
Verdade

Já chegou
Então
Vem cá

NOTA: Adoro esta música do Caetano, mas pu-la aqui como último recurso. Estava à procura de uma faixa do álbum Surprise do Simon, cuja capa ilustra tudo quanto sinto. Chama-se Everything about it is a love song e, se alguma alma caridosa a tiver em formato audível no PC, e se não for pedir de mais, e coisa e tal...

Quero um ministro assim!

Segunda parte das memórias da Bela Vista - 29 Maio 2004


Doze horas depois do êxtase mccartniano, já estávamos de novo no Rock in Rio. O segundo dia foi o da abertura oficial, com Joana Carneiro a conduzir a Orquestra Metropolitana de Lisboa num périplo que foi de Assim falava Zaratustra a Imagine. Como chegámos cedo, ainda assistimos ao ensaio geral, com a maestrina a dar-se conta de que, além da Metropolitana, estava em palco um grupo Afro Reggae que era preciso integrar na peça. Prova superada com louvor e distinção, diga-se...

Seguiu-se Gilberto Gil, "aquele preto de que a gente gosta", num concerto de ritmos tropicais que pôs toda a gente a dançar. O calor de Maio - que foi dele este ano? - e a novidade do festival entusiasmavam o público. Ficámos na primeira fila, onde um cartaz resumia o sentimento de todos: "Quero um ministro assim!". Para quando, meu Deus, para quando?!

Gilberto Gil, Andar com fé/Aquele abraço
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 29 de Maio de 2004)

O seguinte no cartaz era Rui Veloso. Tem músicas excelentes, é verdade, mas há quase 20 anos que não lança uma canção que valha a pena... resolvemos ir à Tenda Raízes ver os Habana Abierta, com passagem pela zona dos jornalistas, onde eu recolhia deliciosas - e gratuitíssimas - baguetes que nos serviam de combustível. Tivemos, ainda assim, a sorte de atravessar o parque, diante do palco principal, no momento exacto em que Rui tirava do chapéu esta maravilha.


Rui Veloso, Porto Côvo
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 29 de Maio de 2004)


Veio, depois, um dos dois grandes senhores da noite: Ben Harper, com os Innocent Criminals. Recordei a primeira vez que o vira, no Coliseu, a convite de uns primos do Porto e sem nada saber sobre o sujeito. Devo-lhes a descoberta de um excelente artista, que soube bem revisitar na Bela Vista.

Ben Harper & The Innocent Criminals, Diamonds on the inside
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 29 de Maio de 2004)

O dia acabou com Peter Gabriel, que entrou em palco dentro de uma bola de luzes e provou que antiguidade é posto, mas não obstáculo. Derreados das andanças de todo um dia, vimo-lo refastelados nos poufs, deitando o olho ora ao palco, lá em baixo, ora a um ecrã gigante mesmo ali ao lado. As cervejas iam rolando, houve quem passasse pelas brasas, mas logo encontrámos um colega da cara-metade, com surpresas que nos deram ânimo para rematar a noite, na Tenda Electrónica. Não encontrei vídeos de Gabriel em Lisboa, mas cá vai uma das minhas preferidas.


Peter Gabriel, Solsbury Hill

terça-feira, 3 de junho de 2008

O dia em que eu vi um Beatle


A primeira de todas as noites do Rock in Rio Lisboa não estava no programa. A notícia veio à última hora e era boa de mais para acreditar. Paul McCartney? The Paul McCartney? O dos Beatles? O gajo do primeiro disco de vinil que comprei? Foi num ápice que não só mudámos a agenda como reunimos cerca de dez pessoas para rumar à Bela Vista.

Tirando o facto de o grupo se ter desmembrado em três - fruto não de zangas, mas da inexperiência em lidar com as multidões do Rock in Rio -, a noite foi perfeita. Macca deu-nos duas horas e meia de música e os extras foram tantos que teve de ir buscar The End para sabermos que já não ia haver mais. Cantei como poucas vezes, emocionei-me e acho que me lembrei de toda a gente com quem já ouvi Beatles. Ah, e o bichinho da Bela Vista ficou...


Paul McCartney, Get back
(ao vivo no Rock in Rio Lisboa, 28 de Maio de 2004)

segunda-feira, 2 de junho de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XXVI)

Parque da Bela Vista, Lisboa, Portugal

Gosto do Rock in Rio. Esta entrada, escrevo-a embalado pelos sons da noite de ontem, ouvidos em dois palcos, dançando de pé ou estendido num pouf a sentir danças outras. Acho que já consegui expurgar dos ouvidos a batucada da Tenda Electrónica, que é muito gira quando se lá está (embora este ano a opção tenda-sem-tenda, somada às tropelias do São Pedro, tenha resultado num espaço pouco acolhedor), mas terrível quando já se foi para casa e se vive ao pé do recinto...

Gosto do Rock in Rio. Gosto desde a primeira edição lisboeta, em 2004, para a qual tive a sorte de receber um passe de imprensa, embora não me tenham mandado escrever uma linha sobre o assunto. Remorsos? Nenhuns. Soube-me a justa compensação por três meses de estágio numa rasquíssima revista, já extinta, que pouco mais pagava do que os módulos do autocarro e que, ao fim desse período a que chamaram de "ensaio", me veio propor, em vez do prometido contrato e salário digno, mais três meses de igual escravatura. Levaram um manguito, claro, e se conto esta história numa entrada sobre o Rock in Rio é só para não perder a ocasião de denunciar o que se passa com muitos jornalistas estagiários...

Gosto do Rock in Rio. No ano de estreia, passei lá quatro noites, entre os acordes sonantes do Palco Mundo, as curiosidades da Tenda Raízes, os ritmos da Electrónica e a emoção de ir descobrindo aquele recinto, os passatempos dos stands, os amigos com quem nos cruzámos, os recantos para namorar, as óptimas sanduíches - de borla - que havia no espaço reservado à imprensa, a correria de concerto para concerto, a lembrar a agenda sempre apertada da saudosa Festa da Música do CCB.

Gosto do Rock in Rio. Em 2006 não tivemos o bambúrrio da primeira vez, mas a vontade de ir era tanta que, com poupanças antecipadas, generosidade da família e uma gestão ágil dos pontos da BP, acabámos por não falhar uma única noite. Já éramos velhos conhecidos, em vez de "olha ali..." ou "epá, já viste...", dizíamos "lembras-te, foi ali que...". É particularmente engraçado recordar os vários grupos com quem estive na Bela Vista: do tête-à-tête romântico ao espírito mais transgeracional da coisa, gozámos a fundo cada minuto.

Gosto do Rock in Rio. Este ano, planeei ir uma noite, estive quase para falhar e acabei por ir duas. À partida, a participação na edição corrente deve estar encerrada. Mas já aprendi a não fazer grandes planos: ontem, a decisão surgiu às quatro da tarde e já houve quem me desafiasse a ir a Madrid, onde o festival aterra no próximo mês.

Gosto do Rock in Rio. E resolvi, por isso, recordar ao longo da semana alguns dos artistas que (ou)vi nestas três edições de Rock in Rio e as impressões com que fiquei. O tom é capaz de me sair algo nostálgico, até porque a próxima vez (2010) será a última na Bela Vista, destinada a receber o novo Instituto Português de Oncologia (eu sei que o antigo precisa de reforma, mas tinha de ser aqui?!!?). O Rock passa para Loures, dizem-nos, e eu prefiro não dizer o que acho... deixem-me gozar a música enquanto dura!