quarta-feira, 26 de março de 2008

Quando o coração bate mais forte


José González, Heartbeats


Música para ouvir e poesia para ler, ou vice-versa, num dia especial. Não por se tratar do Dia Mundial de Qualquer Coisa (hipótese não descartável, porque quase todos o são), mas porque hoje o coração bate com mais força, com maior intensidade, a um ritmo alucinante. Estonteante. Esgotante. Que ninguém apanha.


Pulsação da treva, de António Gedeão

Fundiu-se a roda do Sol
entre os cedros afilados.
Desfez-se em azuis rosados,
tinturas de tornesol.

Agora, solenemente,
como um corpo que se enterra,
ao som de um sino plangente
desce a noite sobre a terra.

Campânula asfixiante.
Circula um terror nas veias.
Zumbem estrelas em colmeias
num céu alheio e distante.

Numa dormência de cova,
suspensa em leite de Lua,
toda a vida se renova
e a guerra continua.

Nas marés do protoplasma
flui, reflui, perene e forte.
Espreita as pegadas da morte,
persegue-a como um fantasma.

Cega e surda, impenetrável,
lateja, na treva urdida,
essa coisa inevitável
que é a vida.


NOTA: Imagens retiradas da Anatomia de Gray (com a e não com e, que é como quem diz do lendário calhamaço e não da simpática série televisiva)

12 comentários:

M. disse...

posts sobre o coração são giros.

estava a tentar ver inutilmente o meu prolapso aí retratado.

Anónimo disse...

um belíssimo poema *

isabel mendes ferreira disse...

cega e surda impenetr�el mas bela....enfim ter� dias.

este por exemplo.


o "daqui".




abra�o.

Tatiana disse...

não consegui ouvir, mas gostaria.
obrigada pela sua visita lá no meu blog.
você tem um humor bem interressante...gostei!

miguel disse...

Discretas e pontuais alterações no " Codornizes" vão-me informando da dinâmica tão fluida do sempre surprendente e íntimo mundo dos afectos.Mas que esse coração merece bater forte, lá isso merece!

Por entre o luar disse...

Gostei bastante do post:) O orgão fundamental na nossa vida:) e devia estar sempre assim..palpitante e avassalador:)

Beijinhos e sorrisinhos*

Huckleberry Friend disse...

M., não negarei que uma certa visita blogueira de ontem terá tido alguma influência no tema da minha entrada... respondo-te (desculpa a falta de originalidade) com Sérgio Godinho:

Pobre do coração
sempre aceso e sem sequer poder
carregar no botão
mudar de canal cortar o som
e olhar como quem quer olhar
enredos simples de paixão
tudo no seu lugar
e o coração, enfim, meu Deus
a bater e a descansar


(excerto de Chave de vidro, do álbum Salão de festas)

Ao poema permito-me acrescentar apenas um beijinho. Grande.

Huckleberry Friend disse...

Ainda bem que gostaste, Alice! Volta sempre a este ninho, que és bem-vinda!

Isabel, e ainda assim inevitável. Mesmo nos dias não. Que, felizmente, não têm andado por aqui... abraço também!

Tatiana, é pena não teres podido ouvir, porque a música é boa e pouco conhecida. Obrigado pelo que toca ao ninho e ao humor deste seu animador... beijinhos e volta sempre!

Miguel, Miguel... o mundo dos afectos surpreende sempre. O coração também, sobretudo o nosso. Um abraço.

Por entre o luar, remeto para o poema com que respondi à M. O coração não de pode desligar, nem sequer adiar, como lembrou o grande António Ramos Rosa. Deixo-te o poema completo, com beijinhos e sorrisos do fundo do coração.

Não posso adiar o amor
Não posso adiar o amor para outro século
Não posso
Ainda que o grito sufoque na garganta
Ainda que o ódio estale e crepite e arda
Sob montanhas cinzentas
E montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
Que é uma arma de dois gumes
Amor e ódio

Não posso adiar
Ainda que a noite pese séculos sobre as costas
E a aurora indecisa demore
Não posso adiar para outro século a minha vida
Nem o meu amor
Nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração

Sofia K. disse...

Quando o coração bate mais forte... bate que bate, sempre sem parar!

;)

Só tu para saberes essas coisas.

SF disse...

Esta música é deliciosa. Há muito que não a ouvia, de tão enjoada que fiquei quando foi lançada... estava em todos os meus mix-cd's de carro. Agora soube tão bem voltar a ouvi-la :)
Obrigada!!!

Huckleberry Friend disse...

Sofia, para que o teu coração bata hoje com a doçura de sempre, toma lá a letra que me pediste de manhã. Tem tudo a ver com esta entrada. Beijinhos cardíacos.

The way it always starts (Mark Knopfler)

It gets so dark before the dawn
That's when it gets to me
Before the city symphony of taxi horns
That's the way it always starts,
Sitting here and waiting on the beating of my heart.

Last night I thought I heard my name
Well it was too dark to see, but it had to be,
The voice was just the same
That's the way it always starts,
Sitting here and waiting on the beating of my heart.

So tell me why should it have to be this way
Why can't it be all right,
Why can't I sleep at night?
Why should it have to be this way?
Why must there be this price to pay?

Now all the streets are dark and bare,
Oh, if you can live in this town,
And stick around, you can live anywhere
That's the way it always starts,
Sitting here and waiting on the beating of my heart.

Huckleberry Friend disse...

SF, haja alguém que reaja a esta música... descobri-a há pouco tempo, quando um colega que trabalha para o Expresso online a utilizou como música de fundo numa fotogaleria. A redacção em peso pediu-lhe para recebê-la no mail... e é mesmo deliciosa! Beijinhos para ti e bom fim-de-semana.