segunda-feira, 3 de março de 2008

O voo da codorniz com Google Earth (XVII)

Casais das Campainhas e do Rijo, Portugal

Terra de amigos. Daqueles que o são há anos, mas parecem sê-lo há séculos. Sulcamos na vida caminhos... ia a escrever paralelos, mas não: esses seguem lado a lado, mas nunca se cruzam. Digamos antes caminhos cúmplices, num ritmo de passeio, que pode ser a pé ou de bicicleta, à chuva ou ao sol. Não importam as posições relativas, que variam sem cessar. Quem está um passo à frente espera um bocadinho ou estende a mão a quem ficou um passo atrás. A amizade contida nesse gesto materializa-se, não raro, num cálice de ginjinha, num filme de que se gostou, numa cigarrilha conversadora ou num abraço reconfortante.

Terra de festas. Ou será mais correcto terras? Nesse caso, siamesas. Os Casais das Campainhas e do Rijo estão unidos por uma espinha dorsal que é fronteira entre os concelhos de Lourinhã e Torres Vedras. Prossigo, pois, no singular. Terra de festas que nos aguardam em Julho, com bailarico ao ar livre, restaurante esmerado, barzinho acolhedor e porco no espeto para quem aguentar a pedalada. Terra onde há recantos discretos, mesmo em dias de festa: a música apenas em pano de fundo e, à nossa frente, só o céu escuro, o vale e o grande plano que escolhermos ou aquele que nos escolher. Some-se a isto a hospitalidade de toda uma família, gerações de sorrisos que se partilham sem cerimónias, memórias passadas a projectar a amizade no futuro.

Terra de pão. Do pão amassado à mão, que há cada vez menos e de que cada vez gosto mais. Pão cozido em forno de lenha, com dedicação e carinho que comovem, numa padaria onde se misturam os aromas frescos do campo, da farinha e dos troncos e ramos recém-apanhados. Pão entregue à hora certa com o esforço de quem tem no trabalho um dos valores-chave do seu percurso. Pão que dura uma semana sem ganhar dureza nem bolor. Mas que também se pode comer recém-nascido, numa manhã de quase Primavera, com azeite e açúcar por cima. Pão que é comunhão mesmo para quem não prova nele o corpo de Deus.

14 comentários:

miguel disse...

Texto sereno e belo. E impresivo também: remete para a beleza do oeste tão próximo de Lisboa e faz avivar uma espécie de nostalgia da região que, no meu caso, com a idade,vai-se tornando mais forte.Textos destes são o estímulo .

Huckleberry Friend disse...

Obrigado, caro Miguel. As minhas manhãs de segunda-feira são quase sempre feitas de nostalgia(s) do Oeste... às vezes até prolongo o fim-de-semana pela noite de domingo e saio cedinho, directo para o trabalho. Esta região é, como se vê na imagem do Google Earth, uma autêntica manta de retalhos, que vão do castanho-terra ao azul-mar, passando por todos os verdes que os meus olhos podem distinguir. Retalhos também de vida, claro. Alguns partilhados com amigos como tu. Um abraço.

Manuela Viola disse...

Conheço muito bem a zona do Oeste. Tenho a sorte de ter amigos por aí "espalhdos", o que me proporciona idas até lá sempre que quero. Bonito este teu texto. Muito sentido.
Conheço muito bem o Sr. da Pedra de óbidos. Uma das vezes que passei por lá, estava aberto (o que é raro) e pude vê-la por dentro. De facto uma preciosidade.
Abraço

Pedro Cordeiro disse...

Olá, Manuela! É, na verdade, uma região encantadora, simbiose entre terra, céu e mar. Vivi lá brevemente, em miúdo, passo quase todos os fins-de-semana no Toxofal de Baixo e no Baleal (eixo Lourinhã-Peniche), com escapadas a Óbidos, Caldas, Santa Cruz, etc.

Na igreja do Senhor da Pedra assisti, certa vez, a um ciclo de concertos de música antiga - dificilmente haveria melhor cenário. O melhor de todos foi o de Jordi Savall... para chegar a horas, tive de transformar em rectas todas as curvas da sinuosa estrada que vai do Toxofal a Óbidos! Mas valeu a pena. Um abraço para ti também.

Huckleberry Friend disse...

Ups, o Blogger lá resolveu assinar com o meu nome próprio. Não faz mal, que não é segredo: Pedro Cordeiro e Huckleberry Friend somos um e um só. Abraços para todos os leitores!

SF disse...

Gostei, sim! :)
Mas confesso que o primeiro comentário que me ocorreu foi: Este rapaz mete-se em cada buraco... mas onde raio ficam estas terriolas por onde ele tanto passeia?! Um dia ainda se perde.
Beijos e bons passeios :)

Ah! Combinado! Depois trago as 'fresquinhas' dos The Cure, boa? ;)

-JÚLIA MOURA LOPES- disse...

:-) Eu conheço e cresceu-me água na boca, vinda das memórias.
gostei muito de o ler!

Anónimo disse...

Boas Pedro.

Belo post que naturalmente me diz muito. Esta, como o Toxofal, é a "minha terra". Aí passei a infância, brincando pelos seus cantos e recantos. Nos últimos anos tenho perdido algum contacto com a mesma, mas não me lamento, antes pelo contrário, já que me foi desvendado outro "ninho", onde conheci novos e bons amigos.

ps. A experiência do "pãozinho" quente com açúcar e azeite está sempre pronta a ser repetida. O pequeno problema é a ....... balança. ;)

Huckleberry Friend disse...

SF, se queres o responsável pelo apreço que tenho aos Casais das Campainhas e do Rijo, encontrá-lo-ás num comentário feito já depois do teu: é o Ludgi. Mas todas estas terras - o meu Toxofal de Baixo (e o de Cima), o Baleal que irrompe por entre águas, a adorável Atouguia da Baleia, Peralta, Ferrel, Usseira, Vau, Olho Marinho, Casais de Mestre Mendo, Casal Vale Medo, Pinhôa e tantas outras - ficam na região Oeste.

Já andei por lá perdido muitas vezes. De carro, de bicicleta e a pé. Só e acompanhado. De noite e de dia. Adoro. Até porque encontro sempre, sempre o caminho de volta a casa... Beijinhos para ti. E se não conheces o Oeste, vais sempre a tempo...

JuliaML, se as memórias são boas, porque não regressar? Não sou dos que pensam que não se deve voltar aos locais onde já se foi feliz...

Ludgi, amigo, és tu o responsável por este voo da codorniz e pelo quilo a mais que trago do fim-de-semana... esta terra é tua, entretanto ganhaste outra e o bonito é que partilhas ambas com os amigos de uma e de outra. Um forte abraço!

tiagovqueiroz disse...

Estes casais ainda não conheço... com muita pena (e culpa) minha! Em compensação, as sensações e os sentimentos que acompanham este voo conheço muito bem. É um prazer revê-los como espectador e senti-los também como meus.

Salvé amigos do Oeste!

E para coroar este momento em que acompanho a codorniz em mais um voo, oiço Amsterdam pela voz da Jacques Brel - Pedro, muito obrigado...

tiagovqueiroz disse...

P.S. Faço meu o adjectivo do Miguel.

Huckleberry Friend disse...

Tiago, lá para o fim de Julho faremos uma saúde nas festas de Casais das Campainhas e do Rijo. Motivos para brindar não faltarão: à amizade, ao futuro, ao Verão que já então nos envolverá em pleno. Do Oeste a Amesterdão, o que não nos faltam são sentimentos, ritmos e gostos partilhados. Um abraço, amigo!

Unknown disse...

Gostei muito de ver que ainda gente que tanto gosta
desta terra maravilhosa, que é os casais das campainhas.
Um grande amigo da terra, que vive na frança:
é a mais bela do mundo.
Um abraço do Gabriel

Huckleberry Friend disse...

Caro Gabriel, bem-vindo a este blogue! Conheci os Casais há uns anos e não demorei a tornar-me amigo da terra, contagiado por outros amigos, nados e criados nesse lugar tão bonito. Um abraço daqui até França!