segunda-feira, 5 de maio de 2008

E as mães são cada vez mais belas

Ontem foi Dia da Mãe. É dos poucos Dias-disto-e-daquilo a que ligo (outro é este). Às que o já são há muito tempo e às que o vão ser em breve, deixo um beijo e um poema.


[No sorriso louco das mães], de Herberto Hélder
No sorriso louco das mães batem as levesgotas de chuva. Nas amadas
caras loucas batem e batem
os dedos amarelos das candeias.
Que balouçam. Que são puras.
Gotas e candeias puras. E as mães
aproximam-se,soprando os dedos frios.
Seu corpo move-se
pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões
e órgãos mergulhados,
e as calmas mães intrínsecas sentam-se
nas cabeças filiais.
Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado,
vendo tudo,
e queimando as imagens, alimentando as imagens,
enquanto o amor é cada vez mais forte.
E bate-lhes nas caras, o amor leve.
O amor feroz.
E as mães são cada vez mais belas.
Pensam os filhos que elas levitam.
Flores violentas batem nas suas pálpebras.
Elas respiram ao alto e em baixo. São
silenciosas. E a sua cara está no meio das gotas particulares
da chuva.
Em volta das candeias. No contínuo
escorrer dos filhos.
As mães são as mais altas coisas
que os filhos criam, porque se colocam
na combustão dos filhos, porque
os filhos são como invasores dentes-de-leão
no terreno das mães.
E a mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos,
e atiram-se, através delas, como jactos
para fora da terra.
E os filhos mergulham em escafandros no interior
de muitas águas,
e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos
e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa,
e através dele a mãe mexe aqui e ali,
nas chávenas e nos garfos.
E através da mãe o filho pensa
que nehuma morte é possível e as águas
estão ligadas entre si,
por meio da mão dele que toca a cara louca
da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível
amar tudo,
e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

8 comentários:

João Paulo Cardoso disse...

E pensar que, se não fosse a tua mãe, não existiriam codornizes, isto é, este blogue!!

Um abraço.

Sofia K. disse...

Este ano o dia da mãe acordou mais cedo e em terras algarvias. Havia um sorriso e um olhar pedindo presentes... a ver se a árvore dava frutos, se o limão crescia um pouco mais! Demorou mas chegou, com pequeno-almoço e música de embalar! O 1º de muitos! Esperemos que sempre com o mesmo sorriso inicial!

beijinhos e obrigada

anamoris disse...

Obrigada Huck por me teres dado a conhecer este Poema belíssimo.
Sou Mãe e fiquei absolutamente deliciada.
Beijos

Andreia disse...

Que bonito :)
E é como tu dizes: este é um dos poucos dias disto ou daquilo que vale mesmo a pena celebrar!
Beijinho

Huckleberry Friend disse...

Ma belle Sophie, ler-te é reviver cada sorriso curioso, cada olhar brilhante de quem espera o desvendar de um mistério, o irromper de uma surpresa. O dia foi, é certo, cheio delas. Foi bom ser o yang do yin do teu primeiro Dia da Mãe. Beijinhos!

Anamoris, não tens de quê. É mesmo muito bonito, tão bonito quanto o é ser Mãe. Beijinho.

Andreia, com poemas como o de Herberto e visitantes como as que esta entrada mereceu, vale a pena celebrar a data. Acabo de decidir prolongar os festejos até sexta-feira... já vão ver! Beijos.

ana v. disse...

Lindo, este poema. E a escolha tem um significado especial este ano, não é?
Parabéns à mãe... e ao pai, ora!
Beijinhos

Huckleberry Friend disse...

Este Dia da Mãe teve um sabor muito especial, Ana. Espreitando por cima de um ombro liso, pude ver como é estar do outro lado... já o 19 de Março tinha sido iniciático e vivido a dois. Obrigado e beijinhos!

Huckleberry Friend disse...

JP, não penses que me esqueci de ti... sem mãe (e, já agora, sem pai) não havia eu, sem mim não havia blogue, mas sem leitores como tu não valia a pena mantê-lo. Um abraço forte!