terça-feira, 20 de maio de 2008

Tempo de viver

Subo a Estrada de Paço de Arços sob chuva miudinha. Não chego a pegar no guarda-chuva, a cabeça está demasiado ocupada a recordar sons e palavras da noite de ontem, no CCB. Pour aller n'importe où / Pour aller jusqu'au bout / Des chemins de fortune. As guitarras, em número de três. Avec ma bouche qui a bu / Qui a embrassé et mordu / Sans jamais assouvir sa faim. O português bem arranhado. Como é que foi, meu bom José / Se apaixonar pela donzela / De entre todas a mais bela / De toda sua Galiléia. O piano. Maintenant, Nicola et Bart / Vous dormez au fond de nos cœurs. A roupa branca. Il y avait un jardin qu'on appelait la terre / Il était assez grand pour des milliers d'enfants. A doçura. Elles sont douces et attentives / Les mères juives. Toninho do Carmo no cavaquinho. Quando o verde dos teus olhos se espaiá na plantação / Eu te asseguro, não chores não, viu / Que eu voltarei, viu, meu coração. A barba alva. Le soleil qui brûlait les rues / Où mon enfance a disparu. O acompanhamento cristalino de Maria Teresa Ferreira. Et quand son âme l’a quitté / Un rossignol quelquer part à chanté. A memória. À ceux qui ne croient plus voir s'accomplir leur idéal / Dis-leur qu'un œillet rouge a fleuri au Portugal. O acordeão. C'est pour toi que je joue, grand-père, c'est pour toi. Os amigos Zélia Gattai e Jorge Amado. Bye, bye, Bahia / Je retourne chez-moi, loin d'ici. Vicent Segal no violoncelo. Je déclare l'état de bonheur permanent. O bom humor. Mélanie faisait l'amour / avec tous ses amis. O bom amor. Jolie fleur du mois de mai ou fruit sauvage /Une plante bien plantée sur ses deux jambes / Et qui trame en liberté où bon lui semble. A revolução. Grândola a tua vontade / Jurei ter por companheira. Marcos Arrieta no baixo. Je ne sais vraiment pas jusqu'où / Ira cette complice. Os aplausos. Boucle d'oreille sur un oreiller / Quelle est la belle qui l'a oublié?. A promessa de voltar, que retribuo. Allez, venez, Milord / Vous asseoir à ma table...

Nisto, toca o telefone. Mas nem assim volto à realidade, nem assim dou pelo molha-tolos que me ensopa, nem assim Moustaki me sai da cabeça, do coração, das cordas vocais. Isto porque, do outro lado, nem "está lá" nem coisa que o valha. Apenas duas vozes: Georges et Sophie, ele no rádio do carro, ela no telemóvel. Depressa lhes junto a minha et Pierre entonne 'Le temps de vivre', com a certeza de que há quem connosco baile sob a chuva.


Georges Moustaki, Le temps de vivre (ao vivo no Olympia, 2000)

Viens, écoute ces mots qui vibrent
Sur les murs du mois de mai
Ils nous disent la certitude
Que tout peut changer un jour

Viens, je suis là, je n'attends que toi
Tout est possible, tout est permis

7 comentários:

Su disse...

Em perfeita sintonia!

Mário disse...

O tempo é sempre de viver.
Ninguém está a morrer - vive-se sempre, melhor ou pior, com mais ou menos avidez (quem sabe dos outros?!) até ao último batimento cardíaco.
Le temps de vivre é o nosso tempo. O de être libre poderá ser ou não.

Huckleberry Friend disse...

Su, nunca melhor dito! Beijos :)

Pai, esta manhã passei por várias entradas e comentários de blogues a defender essa ideia: o tempo é sempre de viver. Reforçada, aliás, pelos exemplos de Zélia Gattai, Moustaki e muita gente anónima que guardo no coração. Já cantava Reggiani, outro vieillard de que tanto gostamos:

Vivre, vivre
Même sans soleil, même sans été
Vivre, vivre
C'est ma dernière volonté


Quanto a être libre, atenção às duas primeiras palavras da canção: Nous prendrons. Um beijinho.

Teresa disse...

Que bonito! Amei!

Ainda não respondi ao teu mail, por medo de ir por aí fora a escrever. A ideia de um miúdo de oito anos furioso por não ir ver Leonard Cohen é inquietante... :)

E sim, tal como tu, também eu ontem andei o dia todo com as músicas dele na cabeça...

Huckleberry Friend disse...

Não tenhas medo de ir por aí fora a escrever, Teresa ;) Adoro que me façam isso, mesmo que a imagem da criança que fui acabe ligeiramente freaked out. Fico à espera... beijinhos!

blue disse...

um belo post, este.

Pedro Cordeiro disse...

Obrigado, Blue! E um beijinho :)
Huckleberry Friend