Mariza, Chuva
Ei-la, por fim, a impregnar a terra do cheiro que me faz abrir a janela do carro para inspirar fundo, indiferente às gotas grossas e ao frio, tentando senti-la nos olhos e na ponta do nariz, mas sem descurar o perigo de uma auto-estrada com piso-manteiga. Tinha saudades da chuva, de andar a fugir dela ou de escolher entregar-me ao seu duche, como fazíamos no liceu, de entrar em casa a patinhar o chão e de ensopar o patamar com o guarda-chuva, de vê-la da lareira, a diluir o contorno, o relevo e a textura das coisas. E os meus.
Esta noite não me chateou acordar com o ruído das bátegas na janela e, embora tenha trazido guarda-chuva, não o abri no curto trajecto entre carro e trabalho. Quis deixar que a chuva, a primeira deste Outono singular, me molhasse o rosto gelado e cansado, como na canção de Jorge Fernando que a Mariza canta ali em cima e que só posso dedicar a quem ma ensinou.
É esta a minha forma de lhe dar as boas-vindas, de mostrar respeito e reverência por uma Natureza de equilíbrios que nem sempre compreendemos, de agradecer o cinzento quase acastanhado do céu sobre as colinas do meu Oeste e o cinzento quase branco que assume sobre a linha de Cascais. Resgato um poema de há dez anos. Se não tenho medo da chuva, porquê ter medo de mim?
Grey sky
Days flowing by
Tomorrow is the same
Yesterday lost my name
Today I catch the train
That stops in every town
I'm sitting on my own
But really do not mind
And really do not care
For it will stop again
I'll meet you there
We'll bind
7 comentários:
FUI EU... adoro esta música e já não ouvia há séculos... hoje prometo cantá-la!
Meu querido Huck... nada de patinhar o patamar ou quem limpa és tu...
Gosto da chuva, não quando ela me acorda como hoje! Era bom que hoje fosse ontem... e que pudesse dormir até eu querer e passar a tarde à lareira com o meu 'Vendedor de passados'... mas não... Coisas da vida!
beijinhos
Ora, ainda bem que lha ensinou, Sofia,
porque estou a aprendê-la também e a gostar imenso.
Ah! o cheiro a terra molhada
Uma sorte haver quem goste de beijar. Uma sorte para mim ter feito aquele post com a citação de beijos e cigarros.
Uma sorte porque vim aqui dar. Este mundo dos blogs é uma caixinha de surpresas. Umas boas, outras assim assim, outras de esquecer.
O teu blog não está em nenhuma das categorias acima. Está nos obrigatórios. Vai já para uma pastinha que eu tenho nos favoritos a que chamei "Blogs a Visitar". E olha que eu não sou de boa boca :)))
Um abraço
pois! como deves calcular qualquer comentário que fizesse sobre este post seria necessáriamente desagradável ;)
belo blog que aqui tens.
Não molhei nada, pois não, reina Sofía? Mesmo quando estive a uma unha negra de ir deitar o lixo fora em meias, com o toró que estava!... ontem não deu para cantorias, mas hoje espero que cumpras a promessa, em troca de um memorável Chega de saudade.
Ensinou e bem, Marta, com estágio profissionalizante no concerto da Torre de Belém, com a Sinfonietta de Lisboa e Jacques Morelenbaum!
JG, bem-vindo! Fico sem palavras, pelo que todas as que usar soarão atabalhoadas. Obrigado pela visita e pelo link no zoo e, claro, continua a aparecer!
MRP, calculo que por aí haja menos saudades da chuva, que, no entanto, ainda não conseguiu dividir o país em dois... mas ainda bem que gostas do blogue, espero mais visitas e comentários!
Já fiz uma parte do elogio ao Outono no meu blog, mas quanto à chuva tenho uma opinião menos taxativa. É antes uma relação amor-ódio: gosto de a ver gotejar lá fora quando estou confortavelmente em casa, de me molhar de vez em quando se ela cai lenta e compassadamente... mas quando se tem que andar pela cidade de transportes públicos e à mercê do humor negro das rodas dos condutores sobre as poças nas bermas o caso muda de figura e não há "glamour" que resista ;)
Obrigada pela visita ao meu blog, também já estás no meu roteiro de visitas habituais :)
Beijinhos
Maria del sol, y ya veo que no tanto de la lluvia: transportes públicos e chuva é um tandem insuportável. O roçar do guarda-chuva ensopado do vizinho do lado nas nossas calças já frias, a roda na poça que bem apontas e os vários cheiros mais ou menos humanos acumulados dentro de autocarros e carruagens de metro roubam qualquer charme que as gotas possam ter.
Já em lugares menos movimentados, gosto de andar debaixo da chuva molha-tolos sem me importar por ser um deles. Desde que haja um banho quente à espera no regresso a casa... beijinhos!
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