domingo, 30 de dezembro de 2007

Banho catártico


Já está. Fez doer os ossos, mas soube bem. O meu banho de Ano Novo (que às vezes, como desta, é de Ano Velho) foi no Baleal, num dia de sol a autorizar a manga curta, embora o mar fizesse jus à fama glacial que se lhe cola. Por entre surfistas de todos os tamanhos e idades, deslizava um caiaque aventureiro. Sem fato, só eu. Mergulho efémero, com passeio às Pedras Muitas como aperitivo, e um doce largartear ao sol, no pátio, como digestivo. A redenção final foi na banheira...

O ritual voltou, assim, à ilha que o acolheu durante muitos anos de adolescência. Era quase sempre às cinco da manhã do dia 1, com quantidades de comida no bucho e álcool no sangue a desaconselhar tal loucura. Nessa altura, éramos vários a cometê-la, por vezes au naturel. Nos últimos tempos, tornou-se um acto solitário, embora acompanhado por um olhar solidário. Azul, como o mar. Verde, como o mar. Cinzento, como o mar. Depende das marés e do céu.

No ano passado, dei este mergulho numa praia horrível de Marbelha cujo nome já esqueci. Há dois anos, na Concha de San Sebastián, num repente, com restos de neve sobre a areia. Riazor, na Corunha, e a mediterrânica Barceloneta também se revelaram excelentes anfitriãs. Mas em nenhuma tive a sensação de regresso à sopa primitiva que o Baleal me dá. A vida renasce, como o ano. E os ritos vão-se repetindo e renovando.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (IX)

Partilho com o progenitor a perplexidade perante a figura de São José, quase tão inquietante como a de Caeiro diante da "pomba estúpida". Moustaki cantou-o como ninguém e Rita Lee fez este cover que vos deixo, para preencher o espaço azul entre as nuvens e este ninho.

Depois da tempestade

Ao fim de uma data de anos, troco as uvas frescas por passas, que é como quem diz que a meia-noite do dia 31 não vai ser passada em Espanha, como de costume, mas em território nacional. Ou na 18.ª comunidade autónoma, como gosto de dizer quando o interlocutor é demasiado anti-hermanos. É um gosto voltar a contar as badaladas no Baleal... por fazê-lo em português? Também, mas, acima de tudo, por ser a minha terra, a nossa. Aquela cuja independência quisemos proclamar, certo Verão, elevando a ilha a Principado e anexando, à passagem, Berlengas, Estelas e Farilhões.

A verdade é que ligo pouco a fronteiras e sinto-me em casa em muitos lugares deste mundo. E se foi da água que mais tive saudades quando fiz de Madrid mi ciudad, ela não vai faltar durante os próximos dias, quer se espraie como um lago diante do terraço, quer ande revolta como neste vídeo que o Tomaz Bairros me enviou há tempos, quer caia do céu às bátegas como uma purificação antes do novo ciclo. Nesse caso, até pode vir acompanhada de raios e trovões. Que eu cá tenho aquecedores, chá e mantinhas e quem me console.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Boxing Day

É o que o mundo anglo-saxónico chama ao dia a seguir ao Natal, e em que o campeonato inglês de futebol tem sempre jornadas históricas. Eis algumas explicações para o nome, que nada tem de desportivo:

- era o dia em que as pessoas davam caixas com presentes aos seus empregados (ou vassalos, nos tempos feudais);
- era o dia em que os empregados chegava ao trabalho com caixas para que os patrões lá deitassem moedas, como presente de fim de ano (tipo subsídio de Natal);
- era o dia em que era dada folga aos empregados que tinham de trabalhar no Natal e que, em compensação, levavam para casa caixas com os restos da consoada do patrão;
- era o dia em que se abriam, nas igrejas, as caixas de esmolas, para as distribuir pelos pobres;
- era o dia em que se apanhava a carriça, considerada rainha dos pássaros, para a colocar numa caixa, a qual entrava em todas as casas da aldeia, para dar sorte para as colheitas do ano seguinte.

Para mim, que nunca trabalhei num Boxing Day, a data significava ir a casa da Avó Gina almoçar restos do jantar do dia 25 e aproveitar para estar mais um bocadinho com os familiares de Coimbra e do Porto, já sem a lufa-lufa do dia de Natal propriamente dito. Havia a reunião dos tios para combinar as férias do Algarve para o ano seguinte e outros assuntos do género, momento solene que fazia rir os primos se alguém levantava a voz ou se outro alguém adormecia. Depois, íamos ao cinema. Às vezes voltávamos para mais restos.

Desde há uns anos, é a Tia Babita que acolhe este "Dia das Caixas". A família continua a reunir-se na versão integral, mas nos Reis e em local alugado, que ninguém tem uma casa tão grande! O dia 26 fica para os de Lisboa trocarem presentes com quem não viram a 24 e 25. Este ano, houve dois dedos de conversa à volta de caril de lentilhas, chacuti de galinha e chouriços picantes (ainda trouxe alguns tupperwares para casa), fotografias da viagem das tias à Índia (que inveja!), doces e queijos com fartura, gargalhadas e um pôr-do-sol lindo entre o Tejo e o Atlântico (depois de publicar esta entrada, descubro que o meu pai já tinha escrito sobre o mesmo assunto e posto no blogue dele uma fotografia do poente que referi).

Mas este também foi o primeiro Boxing Day da nossa casa. E se este nome ainda recorda os inúmeros caixotes que só no início do mês terminámos de arrumar, chegar aqui não deixa de ter um sabor a prova superada. A árvore de Natal (verdadeira, com raiz e vaso) não secou, os presentes recebidos para a casa já encontraram sítio, não falhámos nenhum entre os que demos, e aqueles que trocámos sentados no chão da sala acertaram na mouche. Foi Natal nesta casa, pelo que podemos seguir viagem para um Ano Novo entre amigos, à beira-mar. A quadra dura até aos Reis, mas os últimos cinco dias já ninguém nos tira... por isso mesmo, quebremos este tom algo sentimentalão com uma cantiga que nos faz rir de um Boxing Day menos afortunado.



Grandma got run over by a reindeer
walkin' home from our house Christmas eve.
You can say there's no such thing as Santa.
But as for me and Grandpa, we believe.

terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Cais das Codornizes (VII)

A todos um Bom Natal, com a música When a child is born, cantada por Charles Aznavour, Plácido Domingo, Sissel Kyrkjebo e Josep Carreras, no codornizes, e pelo Saint Philips Boys Choir, no Cais.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Cais das codornizes (VI)

Agora que a meia noite se vai aproximando, os desejos de Natal vão ficando mais claros. Por isso, esta noite canta-se All I want for Christmas is you. O meu cais escolheu a versão original de Mariah Carey. No codornizes ouve-se a do filme Love actually, cantada por Olivia Olson, que tinha então 11 anos.

I won't ask for much this Christmas
I don't even wish for snow
I'm just gonna keep on waiting
Underneath the mistletoe
I won't make a list and send it
To the North Pole for Saint Nick
I won't even stay awake to
Hear those magic reindeers click

Solstício de Inverno

Hoje é o dia mais curto do ano. Quando a noite cair, agarrem a mão de alguém e ouçam esta música, ou Let it snow, ou Winter Wonderland. E dêem as boas-vindas ao Inverno, que bem merece.


Ella Fitzgerald e Louis Jordan, Baby, it's cold outside
outras versões recomendadas: Elvis Costello e Anne-Sophie von Otter,
Kenny Rogers e Dolly Parton, Bing Crosby e Doris Day.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Truta fresca da época

Ei-la, completa... é só terem a paciência de carregar sucessivamente nos vários plays. Quem tiver espírito de sonoplasta também pode tentar fazer misturas. Os executantes são Julian Rachlin, Mischa Maisky, Mihaela Ursuleasa, Nobuko Imai e Stacey Watton. O filme é de Jasmina Hajdany. Para os leitores do codornizes e, em especial, para a Ana Lobo da Costa, agradecendo as óptimas notícias que me deu ontem.

Franz Schubert, Quinteto para piano
em Lá Maior D. 667 (A truta)
1. Allegro vivace (dois primeiros vídeos)
2. Andante
3. Scherzo:Presto
4. Andantino - Allegretto
5. Allegro giusto






quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (VIII)

E ser Pai Natal por um dia? A prima lança o desafio e eu aceito. Cliquem aqui.

O voo da codorniz com Google Earth (XI)

Cliquem na imagem para aumentá-la.
Em vez de olhar o mundo de cima, a codorniz volta-se para o céu. Cassiopeia, Andrómeda e Pégaso são as minhas constelações preferidas, não sei bem porquê. E as vossas?

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Justiça seja feita

Tinha-me esquecido desta. Também é linda.

Mafalda Veiga, Cada lugar teu ao vivo

segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Sunday soundbyte on Monday (IX)

Desculpem o atraso. Esta semana trago uma rapariga de quem não sou particularmente fã (nos tempos de Pássaros do Sul chamava-lhe cabrita-montesa), mas que tem uma mão cheia de canções que valem a pena. Restolho, O velho, Em cada lugar teu, Balada de un soldado e, entre outras, a minha preferida: Lume. Um concerto ou um álbum completo de Mafalda Veiga maçam-me. Uma musiquinha anima-me. Este bocadinho é para vocês... digam o que acham.

lume-soundbyte.mp3

sábado, 15 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (VII)


Por onde quer que ande no mundo, em qualquer altura do ano, procuro um concertozinho numa igreja. De um contratenor vietnamita em Saint Julien le Pauvre (Paris) a uma missa de negros baptistas em Lexington (Carolina do Sul), passando pelos Natais de Santa Maria del Mar (Barcelona) e Saint Martin-in-the-Fields (Londres), a música ouvida nestes templos dá ao ateu que sou uma paz que, paradoxalmente, me deslumbra e torna mais lúcido.

Sexta-feira à noite, foi em Lisboa, na igreja de Santa Isabel, pela mão das equipas de jovens de Nossa Senhora, com opípara ceia natalícia incluída. Que bom voltar àquele local de tantas memórias e encontros, da Lectio Divina do Padre Zé Manel às missas de homenagem à Tia Amelinha e ao Avô Dragomir, e vê-lo cheio de gente reunida para festejar o Natal.

Que alegria nos olhos do público e dos artistas (os adolescentes eram maioria), numa azáfama social e musical trepidante. Que boa selecção musical, entre o nacional e o estrangeiro, entre o religioso e o pagão. Que graça a do Pêu a orientar o coro, e que vozes a dele e a de outros, com destaque para a Xinha. Que bebé bonito o que estava ao colo da mãe que se sentou ao nosso lado. E que bem ladeado estava este vosso amigo, que teve a sorte de ter sido convidado de duas queridas amigas (obrigado, Ana e Filipa)! Houve mais música nessa noite e mais haverá até ao Natal...

Natal-elvas.mp3

Natal de Elvas, pelo Coral de São Domingos (Montemor-o-Novo)


Ó meu menino Jesus
Que tendes, porque chorais?
Deu-me minha mãe um beijo,
Choro por que me dê mais

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Blogues à sexta (IX)

Algeroz !

Continuo voltado para blogues de gente amiga... qualquer dia esgotam-se, apesar dos muitos amigos que me apraz ter. O do Miguel Leal é criação recente: faz um mês na véspera de Natal. E é um retrato do seu autor: sensibilidade, modéstia e humildade, generosidade e capacidade de partilha, para usar as palavras do Manuel Teixeira, que recuerou neste algeroz uma secção que deixou saudades no extinto blogue do Baleal, no qual o Miguel também intervinha, no registo que em bora hora ganhou morada própria.

O blogue propõe-se escoar a angústia dos dias e reter tudo o resto que vale a pena ser retido - e olhem que cumpre. E o que retém este algeroz, nascido com o nome Desenterrem-se os mortos e rebaptizado em minha casa, por obra do acaso e de uma conversa paralela entre o Teixeira e o Rodolfo Knapič? Espantos, experiências, privilégios, paradoxos... música pirosa (como todos os que temos coração) e a poesia do quotidiano. Observador finíssimo, o Miguel fala com decoro das suas coisas e das coisas do mundo. Exemplo da sua afectividade é o facto de ter os blogues de amigos classificados não por título, mas pelo nome de quem os faz.

Vamos à ronda pelo blogue: uma dose de energia matinal a que eu chamei café e o Miguel cerveja gelada, uma piscadela de olho à ilha mais linda do mundo, berço da nossa amizade e coisas giras sobre vários Natais. Talvez devesse haver mais mensagens visíveis em cada ecrã. Por agora são sete, sugiro dez. E abraço fraternalmente o Miguel pelo prazer de ler este blogue.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Espírito da quinta

Patience (Rachel Ferguson)

Patience has its limits. Take it too far, and it's cowardice.
George Jackson (1941-1971)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (VI)

Hoje vou ver os meus três manos na festa de Natal do colégio.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Os quatro cabeleiras do após-calipso

O título desta entrada foi, se não me engano, o nome dado em português ao filme A hard day's night, dos Beatles. Mas só o pus aqui por gozo. O assunto que trago tem um título mais simples: Love. É a recriação pelo Cirque du Soleil de uma série de músicas dos Fab Four, com a colaboração de Paul e Ringo e das viúvas de George e John. George Martin, um dos vários candidatos a "quinto Beatle", tratou dos arranjos com o filho Gilles.

Vasculharam Abbey Road de alto a baixo, encontraram faixas não incluídas nos álbuns, misturaram sons e saiu um disco belíssimo, que tenho ouvido muitas vezes em viagem. Que deleite!, tentar descobrir de que música vem cada sample e redescobrir uma paixão de há muito... ontem, a RTP2 fez o favor de passar um documentário sobre Love a horas decentes. Estejam atentos, que eles costumam repetir. Se não, consolem-se com esta amostra.

NOTA: Isto só podia ser dedicado ao Tiago. Mas a Teresa (aqui e aqui) leva menção honrosa.

Espírito da quadra (V)

Comecei ontem a escrever os meus cartões de Boas Festas. É uma epopeia anual a que cada vez menos gente se entrega, mas que dá um gozo enorme. Escolher a caneta (nunca esferográfica!), deitar-me no tapete da sala, procurando um poiso abrangido pelo cone de influência do termoventilador (noutros anos foi à lareira, no Toxofal) e cuidar a caligrafia em textos breves, mas pensados para cada amigo. Manuseio com a destreza possível a lista de destinatários, a agenda e os postais propriamente ditos. Ouso antever o sorriso nos lábios de quem abrir cada envelope selado com cuidado (com selos a sério e não aquela etiqueta ordinária da estação de correios), tento adivinhar quantos vão responder... e espero placidamente pelos postais que vierem, pelo Natal, pelos presentes, pela felicidade que desejo para os outros e para mim.


A música óbvia, cantada pelos bonecos da Walt Disney.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (IV)

Larry the cable guy a cantar músicas de Natal. Um bocado avacalhado, mas algumas têm graça...

O voo da codorniz com Google Earth (X)

Voar sobre terreno conhecido tem vantagens. A segurança. A calma. As memórias. O poder matar saudades. Esta é a minha terra. Esta? Sim, como o são Lisboa, o Baleal e tantas outras. A todas me aferro, qual Anteu, para recuperar forças. Cada uma revigora um dos humores vitais. Sobre o Toxofal de Baixo ando a preparar uma coisa para outro blogue. Se hoje me apeteceu pô-lo aqui, foi porque uma entrada sobre o sabor das maçãs me recordou mais uma das minhas velharias poéticas. O título do escrito até mudou.
Toxofal de Baixo, Portugal


Maçãs

Atrás dessas telhas quentes
Há uma manta de retalhos
Com que te quero cobrir
Se a meu lado te deitares

São fazendas são hectares
Que o Sol e a chuva submetem
São dias que se repetem
Num ritmo que não se usa
No pulsar de uma rajada
No brotar de uma colheita
Que, Deus deixando, há-de vir
Antes da data passada
Antes que o tempo que impera
Traga outra Primavera
Traga outro campo de azedas
Para o gado com placidez
Ruminar num devaneio

Atrás do telhado onde a gata
Dorme sem credo nem dono
Há poesias à espreita
E há maçãs verdes à espera
Que alguém sedento de um seio
Lhes vá provar a acidez
Que nessa manta difusa
Tudo tem a sua vez.


Lisboa, 27 Janeiro 1996

domingo, 9 de dezembro de 2007

Sunday soundbytes (VIII)

Mais uma para a quadra. Porque todos merecem ter um Bom Natal. A faixa é de Frank Sinatra e chama-se The Christmas song ou Chestnuts roasting on an open fire.
chestnuts.mp3

Espírito da quadra (III)

Música de Natal no tom pacífico de um fim de tarde de domingo.


Barbara, Joyeux Noël

Há-de vir um Natal

Ladainha dos póstumos Natais

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira, in Cancioneiro de Natal

sábado, 8 de dezembro de 2007

A 8 de Outubro este blogue era assim

Dois meses é pouco, mas é pretexto para ouvirmos uma vez mais o nosso hino oficial, que é uma das músicas mais bonitas do mundo. Desta feita, na voz de Perry Como. We're after the same rainbow's end / Waiting round the bend.

Perry Como - Moon ...

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Um poema com dez anos...

...mas que ainda não morreu. É para os leitores do codornizes, que a meio desta noite chegaram aos cinco mil. Parabéns a vocês!

Eu em Valmitão (foto de SK, Outubro 2007)


Contra o poente

Na tarde em que me procuro
a luz bate em janelas ociosas
e há um rio
Como num quadro onde não quis que me pintassem
as elegias tornam-se porosas
e dou-me conta de que o traço é azul

Rumor nas águas
respondem-me às falácias com vertigens
e enchem-me o olhar de curvas em perfeito movimento
como acácias
são sustos nesta ilha que às vezes sou
como eucaliptos

Às vezes eu queria que o tempo não passasse
durmo em céus fragmentados de Monet
entre ocres térreos, nuvens férreas, sons que alguém produz
cresce-me um querer ficar
um deixar-me ir
e um sol mais lento, que este já se pôs

Lisboa, 6 de Março de 1997

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Blogues à quinta (VIII)

Prohibido fijar carteles

Mais um blogue espanhol, mais um blogue de um amigo. Luis Felipe Torrente recolhe o que outros vão deixando pelas paredes de Madrid e não só. Cartazes, graffiti, inscrições, divisas ou desabafos sobre fundo de betão ou tijolo povoam este espaço divertido. A actualização não é diária, mas de vez em quando vêm uma data de entradas em catadupa.

O vol d'oiseau habitual revela-nos uma fuga à rotina para homenagear o Turner deste ano, uma carta ao futuro, dois cartazes vintage de um bairro que conheci melhor com o ilustre blogueiro, um alívio lisboeta e heresias como esta e mais esta.

Jornalista da televisão Cuatro, apreciador de boa comida, bons copos e bons livros, o autor deste blogue gosta muito de Portugal e o português ibérico que sou também gosta muito dele. Un abrazo, Luis!

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Peso

As estátuas de reis e nobres da Plaza de Oriente, em Madrid, foram pensadas para adornar a cornija do Palácio Real, ali ao lado. A ideia foi abandonada devido ao seu peso: percebeu-se, mas só mais tarde, que era excessivo. Podiam cair e matar alguém que ali passasse. Acabaram por ir para o jardim e lá estão, em pedestais de onde têm menos hipóteses de cair. A não ser que alguém adormeça num daqueles bancos de pedra durante um terramoto (longe vá o agoiro!), podemos considerá-las inofensivas. Embora o improvável não seja impossível, claro.

Baú das codornizes (IV)


Santa Claus, the Movie (1985)

Vi este filme em Oxford, há mais de 20 anos. É delicioso. Claus e Anya são um casal que costuma entregar presentes aos miúdos pobres da sua aldeia. Vão num trenó puxado por renas e tudo se passa no século XIV. Apanhados por uma tempestade de neve, salva-os da morte um grupo de elfos liderados por Dudley Moore. E assim nasce o Pai Natal. Ah, e a Mãe Natal, sem a qual...

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Cais das codornizes (V)

Durante esta quadra natalícia, o Cais das Codornizes só vai passar música de Natal. Às vezes é difícil escolher apenas duas versões, mas vai ser bom partilhar este gosto musical. Estas músicas que só ouvimos em Dezembro têm o condão de criar um cenário maravilhoso, por vezes até parece que neva... vamos lá à primeira, muito especial, habitualmente cantada a duas vozes, as nossas, em viagens de carro, estrada fora. Winter Wonderland cantada pela Macy Gray no Cais e pelos Eurythmics no codornizes.


When it snows, ain't it thrilling,
Though your nose gets a chilling
We'll frolic and play, the Eskimo way,
Walking in a winter wonderland

Espírito da quadra (II)

Os enfeites de Natal apaixonam-me. Sempre adorei fazer a árvore de Natal (abeto natural, perdoem os ecologistas), em tempos com os meus pais e a minha irmã, mais tarde com primos mais novos, depois com mais irmãos e este ano, pela primeira vez, numa casa que é minha. Nossa. E que tem três árvores de Natal: uma a sério, uma de armar que era da minha bisavó e uma insuflável!

Formidável metamorfose a desse esqueleto verde, que começamos por enredar num fio de luzes (sem música irritante, por favor). As bolas, sinos, estrelas, anjinhos, renas e Pais Natais pendurados nos ramos nunca foram, lá em casa, de uma só nação. São testemunhos de viagens, trabalhos escolares ou domésticos, presentes de amigos ou objectos cuja origem já se perdeu. Dizem lindamente uns com os outros.

Há, depois, a coroa para pôr na porta. Recomendo as da Isabel florista, do mercado de Arroios, com pinhas, castanhas e azevinho. A nossa deste ano é menos artesanal, mas muito divertida, com um boneco feito dessa neve que nos falta. Finalmente, encanto dos encantos, as luzes e velas espalhadas pela casa por mão amorosa e o calendário do advento, com chocolatinhos para ir comendo até ao grande dia.

PS: Já publicada a entrada, reparo que alguém colou sinos e flocos de neve em feltro na porta da redacção onde trabalho. E sorrio.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Espírito da quadra (I)

Na mesa de Natal há sempre - e não está a mais - um prato das filhoses. Mas o Natal também é ocasião para celebrar o oposto do prato das filhoses: aquelas pessoas que estão sempre onde é preciso quando é preciso.

O voo da codorniz com Google Earth (IX)

Nazaré, Portugal

O voo desta semana leva-me a uma falésia escarpada que vale a pena subir, galgando degraus incontáveis ou vencendo o medo que dá o ranger do funicular. É uma terra linda, que as hordas do fim-de-semana tornam inóspita sem lhe roubar beleza. Mar fero. Um perfil desenhado contra o pôr do sol. Ou, mais atrás na memória, saudades de arrastar duas cadeiras até uma pequena varanda de cal, muito perto do Sítio, e de ficar horas à conversa com a anfitriã, sem quase pudor. Um poema dessa altura:

Nazaré

pode já não haver banhistas de roupão
mas há a montanha e o fim que não se vê
ou este canto, uma toalha no muro e o resto do sol

posso já não te encontrar na Nazaré
mas há o norte todo e as bolas de Berlim
ou desmentir a noite para que um dia não chores

podem ser quartos rooms e espalha a roupa
mas há vezes sem pressa em chambres zimmer
ou sobremesas de manga e a manga na mesa porquê

podemos não saber nada deste chão
mas há falhas com a textura do teu pé
ou o sítio das pernas que a arriba não poupa

pode não dar jeito ser permeável às cores
mas há o mar todo para salgar dom fuas
ou não dá para ser roupinho e ficar a ver de cima

podes já não saber bem ao que vim,
mas há de novo as pernas e quero-te nas duas
ou entra no mar e veremos que onda te engole


Toxofal de Baixo, 18 de Novembro de 2000

domingo, 2 de dezembro de 2007

Sunday soundbytes (VII)

It's beginning to ...
Perry Como, a abrir o Natal na altura certa!

sábado, 1 de dezembro de 2007

Amor na voz

As promessas são para cumprir... serve isto para dizer que, como anunciei, o codornizes tem a honra e o prazer de apresentar a voz e o talento de Ana Knapič. Também ela uma promessa que queremos ver cabalmente cumprida na música portuguesa, na vida, no amor. A canção é Palpite, composta por Adriana Calcanhotto, mas também cantada por Vanessa Rangel e Ana Carolina. E, já agora, por Ana Knapič!
Nota: O Natal instala-se no codornizes... entrou pelo cabeçalho, mas vai chegar à música, às imagens e aos textos. Aceitamos colaborações e sugestões. Boas festas!

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Cais das codornizes (IV)

A proposta de hoje é Sisters of mercy, de Leonard Cohen. No codornizes, a versão original, n'o meu cais, uma interpretação céltica de Sting com os Chieftains.

Blogues à sexta (VII)

Long Play! Banda de covers

O blogue desta semana é diferente da maioria e diferentes são as razões que ditaram a sua escolha. Há oito dias, passei pelo Refúgio das Freiras, a Santos, para ouvir os Long Play. Conhecia a vocalista, Joana Feu, dos tempos do Trítono, que ouvira no Bairro Alto e no bar BS, ali na Rua da Imprensa Nacional. Já era apreciador. Agora fiquei fã.

A voz da miúda que conquistava o público sentada, à guitarra, ganhou energia sem perder doçura. A dona da voz também. Joana solta-se, percorre todo o bar (que deixa de parecer exíguo), dança, impõe um ritmo à noite, põe-nos a cantar. É de uma naturalidade irresistível. De Sting a Alanis Morrissette, passando por Bob Marley, Prince e uma interpretação sentida de Ben Harper, que me cativou, o alinhamento faz-se de nomes famosos, mas foge à banalidade e ao óbvio. Guilha Marinho (guitarra), Rui Pereira (bateria) e Bruno Stélio (baixo) são instrumentistas competentíssimos. Cheira-se à distância que não estamos perante mais uma banda de amadores.

Na noite em que ouvi os Long Play, emocionou-me ouvir Se eu voltar, de Pedro Abrunhosa, num dueto entre a Joana e a minha cunhada Ana Knapič, que garanto que há-de dar cartas na música e não só. Ouçam-na aqui, a solo. E ouçam-na, em breve, aqui no codornizes.

Para acabar, apontamentos do blogue desta banda: tem música a tocar em permanência, calendário de actuações, slideshows dos artistas, improvisos divertidos (do Sexual healing, que referi acima) e uma lista de bares com actuações ao vivo. Falta-lhe uma actualização mais frequente, mas vale pela divulgação deste projecto meritório.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

De Agosto a Novembro

In the garden, Autumn is, indeed the crowning glory of the year, bringing us the fruition of months of thought and care and toil. And at no season, safe perhaps in Daffodil time, do we get such superb colour effects as from August to November.
Rose G. Kingsley, The Autumn Garden, 1905

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Promessa cumprida no momento certo

Não foi uma surpresa, mas caiu-me nas mãos mesmo quando estava a precisar. Soube tão bem ouvir esta versão da música que abriu este blogue que decidi pô-la aqui sem esperar pelos dois meses de blogue, que era a ideia original. Celebremos, em vez disso, a visita quatro mil, que cá veio entre a noite de ontem e a manhã de hoje. Celebremos o sol ou a chuva que vier. Obrigado, Teresa, por me lembrares que há tanto, tanto mundo para ver...


Andy Williams, Moon River (com Henry Mancini ao piano)

Não vai parar?


Aimee Mann, Wise up (da banda sonora do Magnolia)

It's not
What you thought
When you first began it
You got
What you want
Now you can hardly stand it though,
By now you know
It's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up

You're sure
There's a cure
And you have finally found it
You think
One drink
Will shrink you 'til you're underground
And living down
But it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up

Prepare a list of what you need
Before you sign away the deed
'Cause it's not going to stop
It's not going to stop
It's not going to stop
'Til you wise up
No, it's not going to stop
'Til you wise up
No, it's not going to stop
So just... give up

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Sagrada Família

Como areia molhada na mão
O movimento ascendente das torres
(Como o teu corpo, e tudo, não tem rectas).

Agosto 2005

Poema a lembrar um de muitos périplos espanhóis, enquanto espero pelo próximo e já anunciado, do qual prometo à M. trazer frutos galegos ao som do Mar adentro.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O voo da codorniz com Google Earth (VIII)

Já aqui estiveram? Em que circunstâncias? Gostaram? Os voos da codorniz, à segunda ou à terça neste blogue, pretendem suscitar a partilha de histórias de viagens. Vamos a isso?

Cabo de Gata, Espanha

Foi ao nascer do sol que me deixei enfeitiçar pelo Cabo de Gata, ou no Cabo de Gata. Eram oito da manhã do último dia do ano passado e a luz dava às rochas escuras um tom de cobre. A tentação era grande de nos deitarmos para trás, sobre a pedra, permitindo que nos penetrassem os raios amarelados daquele Inverno... só que a beleza da luz não aquece e a terra ainda estava fria, pelo que foi de dentro do carro, chauffage ligada, que tentámos adivinhar o que pensaria o Mediterrâneo. Depois da feia Almería, este finis terrae deu-nos ânimo para percorrer toda uma costa. Depois de Ronda e Gibraltar, com macacos assanhados e tudo, o ar sevilhano foi testemunha de um mergulho de cabeça num daqueles anos que mudam uma vida. Ou duas.

domingo, 25 de novembro de 2007

Sunday soundbytes (VI)

Mais uma frase para pensar, desta vez com música de Cat Stevens... a música chama-se Sitting, mas este vosso amigo só anseia por estar lying down até de manhã. Um dia iniciado com travesseiros quentes em Sintra, passeio até Seteais, volta dos tristes pelo Guincho até à marginal, continuado com caril de lentilhas, chouriços picantes e vinho verde (muita família, muita conversa, muito agradável) e encerrado com sopa de endivias dá muito trabalho, muito mesmo!

sitting.mp3

sábado, 24 de novembro de 2007

Fim-de-semana em Lisboa

Pôr do sol do dia 7 de Novembro de 2004,
visto da cozinha da minha mãe

Às vezes sinto-me descurar a cidade. Por mais que precise do banho de alma que são os fins-de-semana no campo, faz bem namorar Lisboa sem ser ao ritmo do metro e do autocarro.

Gosto da minha casa. Foi ela que ensinou a um madrugador inveterado, desses que não suportam o peso de um tecto e quatro paredes enquanto há sol lá fora, que o sol também é bom visto de dentro, que a janela torna mais intenso o seu beijo numa face. Acho que nunca vou deixar de acordar cedo, e a pulsão do ar livre vai continuar a ser mais forte, mas de quando em vez gosto de me deixar seduzir por uma manhã entre quarto, sala e cozinha, café à discrição e discos pedidos.

Lisboa merece ser passeada. A Avenida da Igreja aqui ao lado, porção de ADN que se me colou desde a casa dos pais, na Rio de Janeiro, e que manteria ainda que vivesse nos antípodas. Uma caminhada até à Versailles ou, porque não, à Baixa, onde teria estado hoje não fora a preguiça... depois, há bairros como Marvila, Bica, os Prazeres a descer para Alcântara, o eixo Lapa/Rocha do Conde de Óbidos/Santos-o-Velho, em que ninguém pensa à primeira quando pensa em passear. E jardins - mormente o da Gulbenkian, mas também o Amália Rodrigues, no alto do Parque Eduardo VII, o da Estrela e até, malgré soi-même, o Campo Grande, onde o Avô Quim nos levava.

E o rio? Um brunch na Delidelux, um esticão do Terreiro do Paço ao Restelo (um pulo às tias), ou trepar ao Castelo e tomar um mojito no Bar das Imagens ou no Chapitô. Ou então virar o espelho ao contrário e ir ver Lisboa da Outra Banda: estou há séculos para conhecer o Cais do Ginjal e tenho um brinde prometido no Porto Brandão. Sem esquecer a Linha, para onde aponta, hoje, o meu cata-vento... bom, hoje e todos os dias, pois é lá que trabalho, e felizmente consigo disfrutar disso. E a outra linha, a de Sintra, chá na Raposa e travesseiro na Piriquita (e o comboio para a praia, com os miúdos, que não passa do próximo Verão).

Um fim-de-semana em Lisboa é isto, e pode ser tudo o resto. Noitadas de copos a ouvir boa música (são dois links) ou a dançar sem pensar em nada, mais tempo para os amigos, programas culturais aos montes (que bom ter alguém que nos sublinha a Time Out de uma ponta à outra, para não deixarmos de ver coisas bonitas!) e, em breve, as feirinhas de Natal de que tanto gosto.

Um fim-de-semana em Lisboa, em navegação solitária ou de mãos dadas, é um poema de amor à minha terra.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Ainda os mortos de ontem

Fernando Fernán-Gómez morreu aos 86 anos. Era actor, escritor, guionista, realizador e encenador. A sua quota no meu portefólio pessoal inclui a belíssima peça Las bicicletas son para el verano, sobre a Guerra Civil espanhola - que me levou às lágrimas quando a vi em Madrid -, o pai doente de Alzheimer em Todo sobre mi madre, de Almodóvar, o inquisidor de El rey pasmado (adaptação de Gonzalo Torrente Ballester por Imanol Uribe) e o professor de La lengua de las mariposas, belíssimo filme de José Luis Cuerda sobre contos de Manuel Rivas

Fernán-Gómez no documentário La silla de Fernando,
de Luis Alegre e David Trueba (ouçam também isto, que vale a pena)


Maurice Béjart tinha 80 anos. Era o nome do bailado contemporâneo, tão depressa coreografando Stravinsky, Mozart e Ravel como Queen, Elton John ou Jacques Brel e Barbara, cuja La solitude escolhi para o homenagear. Vi dois espectáculos seus no Coliseu dos Recreios, um deles com figurinos de Gianni Versace, e tive pena de falhar um terceiro. Sei pouco de dança, mas sei que o mestre punha os corpos a dançar lindamente.

La solitude, letra e música de Barbara,
coreografia de Maurice Béjart

A mão no meu corpo

A mão no meu corpo
esquerda?
avança-me direita, faz
descentrar o coração
para que fique mais longe da cabeça

A mão no meu centro
tua?
toca-me a minha paz
arranca o coração
para que fique mais perto do teu estômago

A mão no meu dentro
qual?
desenha a silhueta de um rapaz
sem coração
para que fique alguma fome em ti


Novembro 2000

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Blogues à quinta (VI)

Zoo bizarro


"Nada no mundo é insignificante" é o mote do contemplado de hoje. Adoro, como adoro a imagem dos macacos no cabeçalho. Este é um blogue que deve dar muito gozo a fazer. JG enche a página branca de coisas insólitas, com doses sabiamente calculadas de seriedade e humor. Não sei onde é que vai buscar tantas ideias, tantos pormenores e pormaiores, mas adivinho que o trabalho de pesquisa seja árduo. E divertido.
O impacto visual é forte: imagens grandes e nunca banais, por vezes em movimento, aparelhos incríveis que alguém tenta vender, versões destorcidas de ícones famosos, ilusões de óptica e outras curiosidades. Mas nem por isso a palavra é preterida. Há poemas e prosas muito bons (mas mesmo muito bons), epitáfios, apontamentos históricos e efemérides.
Um breve exercício de pesca à linha traz-nos a história de um menino que não rezava à virgem, uma imagem linda de um dos animais que mais gosto (é um puffin, ou papagaio-do-mar), uma declaração de amor invulgar, duas danças e uma brincadeira com palavras.

Duetos no céu

23 Julho 2004 - Carlos Paredes e Serge Reggiani (Le petit garçon acompanhado à guitarra portuguesa);

30-31 Julho 2007 - Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni (uma sarabanda au delà des nuages);

21-22 Novembro 2007 - Fernando Fernán-Gómez e Maurice Béjart (corpos em movimentos de rotação e translação, com a voz cava do espanhol a declamar).

Nenhuma morte inesperada. Nenhuma aceite sem pestanejar.

Apetece-me brindar sem saber bem a quê

E embora não perceba a letra toda da canção, tenho a certeza de que é a esta alegria que quero erguer o meu copo.


Cin cin con gli occhiali, de Herbert Pagani (1968)

Cin cin dai noi siamo speciali,
portiamo gli occhiali, dai vieni con noi.
Cin cin dai il mondo è di tutti,
dei belli e dei brutti, è nostro se vuoi.

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Baú das codornizes (III)

Eis, a pedido de uma leitora, o genérico de Postman Pat, uma série infantil deliciosamente inglesa. Via isto ao fim-de-semana, de manhã, quando só havia RTP e eu acordava tão cedo que tinha de gramar meia hora de mira técnica antes dos desenhos animados. Na altura, era mesmo carteiro Pat. Mais tarde, chamaram-lhe Paulo. A música, em português, era algo tão ingénuo como "O carteiro / o carteiro / e o seu gato / preto e branco". Há tempos, alguém me falou numa versão francesa do Pat. Nunca ouvi, mas no Youtube há uma em sueco. Aproveito para desejar que muitos jeunes et vieux facteurs continuem a entregar muitas cartas manuscritas, em todas as línguas e dialectos.



Bryan Daly, Postman Pat

terça-feira, 20 de novembro de 2007

I want to ride it where I like

Um raio de sol atrevido dá-me vontade de voltar atrás no tempo... quem me dera que o passeio de bicicleta estivesse ainda a começar!



Queen, Bicycle race

(...)
Bicycle races are coming your way
So forget all your duties oh yeah!
Fat bottomed girls they'll be riding today
So look out for those beauties oh yeah

(...)

À Sandra, ao Ludgero, ao Tiago, ao Ricardo, à Fernanda, à Cidália, seis camaradas com muita pedalada. À Teresa e à Sofia Knapic, à Fernanda, à Filipa, à Marta e à Gina, pelo almoço. E ao Miguel, que não esteve neste passeio, mas foi noutros, e com quem ouvia esta música quando era miúdo.

Carta cantada



Para a Sofia não ter saudades. Descansa, que o nosso carteiro não há-de morrer tão cedo.

NOTA: Depois de publicada, esta entrada tornou-se parte de um "Cais das Codornizes" involuntário. Aqui, pusemos a tocar uma versão de estúdio. Já o meu cais preferiu ouvir Moustaki ao vivo.

O voo da codorniz com Google Earth (VII)

Mais uma secção a tornar-se menos fixa... Os voos descolarão, doravante, à segunda ou à terça, conforme o vento. O de hoje até é a uma zona ventosa, por isso acompanhem-no com cuidado. A ideia, nunca é de mais recordar, é dizerem-nos o que vos sugere a paisagem.

Do Toxofal de Baixo à Praia dos Belgas, Portugal

Sobrevoo o itinerário e não quero crer... pedalei mesmo 17-quilómetros-17, com subidas e descidas, sem levar a bicicleta pela mão uma única vez? Assim foi. O passeio organizaram-no bons amigos, naquela que viria a ser a última manhã de sol do Verão até então imorredouro. O grupo compunham-no sete magníficos, entre eles o menos desportista dos vossos amigos (enchanté!).
Chamo-lhe passeio, não prova ou corrida, porque foi esse o ritmo a que pedalámos. A apreciar as cores das fazendas do Toxofal, o vale do Paço, a vista da Serra d'El-Rei para Baleal, Peniche e Berlenga... houve momentos de cumplicidade a dois ou a três, lado a lado em estradas menos movimentadas, num fluir de recordações, confidências e amizades antigas e recentes. O breve périplo pelo areal deu para inspirar a fundo e com tempo o ar que nos ia entrando, durante o trajecto, pelas narinas muito abertas.
Regresso tranquilo, já com um sentimento de missão cumprida e, no íntimo, o alívio de ver que o impossível nem sempre o é, que há caminhos alternativos (especulámos tanto, tanto!), que a aventura do mar ao fundo emociona tanto como o calor do regresso ao campo.
À chegada, esperava-nos um almoço de reis, cortesia dos que não pedalaram. Espetadas de peru grelhadas, bacalhau com coentros, ratatouille, o melhor pão do mundo e, para sobremesa, arroz doce (o balanço entre input e output de calorias foi, ainda assim, benigno). Vinho tinto e um café bem conversado encerraram essa parte da jornada. Pelo que me detenho aqui.

Baú das codornizes (II)


O título da última entrada merece ser explicado. Era a primeira linha, em português do Brasil, desta canção deliciosa do Bambi. Não encontrei essa versão, pelo que vos deixo com a original, Little April showers, para podermos entrar na noite singing in the rain.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Pinga, pinga, pinga chuvinha...


Mariza, Chuva

Ei-la, por fim, a impregnar a terra do cheiro que me faz abrir a janela do carro para inspirar fundo, indiferente às gotas grossas e ao frio, tentando senti-la nos olhos e na ponta do nariz, mas sem descurar o perigo de uma auto-estrada com piso-manteiga. Tinha saudades da chuva, de andar a fugir dela ou de escolher entregar-me ao seu duche, como fazíamos no liceu, de entrar em casa a patinhar o chão e de ensopar o patamar com o guarda-chuva, de vê-la da lareira, a diluir o contorno, o relevo e a textura das coisas. E os meus.
Esta noite não me chateou acordar com o ruído das bátegas na janela e, embora tenha trazido guarda-chuva, não o abri no curto trajecto entre carro e trabalho. Quis deixar que a chuva, a primeira deste Outono singular, me molhasse o rosto gelado e cansado, como na canção de Jorge Fernando que a Mariza canta ali em cima e que só posso dedicar a quem ma ensinou.
É esta a minha forma de lhe dar as boas-vindas, de mostrar respeito e reverência por uma Natureza de equilíbrios que nem sempre compreendemos, de agradecer o cinzento quase acastanhado do céu sobre as colinas do meu Oeste e o cinzento quase branco que assume sobre a linha de Cascais. Resgato um poema de há dez anos. Se não tenho medo da chuva, porquê ter medo de mim?

Grey sky
Days flowing by
Tomorrow is the same
Yesterday lost my name
Today I catch the train
That stops in every town
I'm sitting on my own
But really do not mind
And really do not care
For it will stop again
I'll meet you there
We'll bind

Do mosteiro, em tom de confissão...

Foi impressionante. Escandaloso. Pornográfico, até. E foi uma delícia! Das cornucópias (algumas ainda quentes) ao mexido dos anjos, passando por pudins de azeite, rabanadas, broinhas de gema e tartes de alfarroba (esta não acabei), pouco nos escapou. Ah, e também houve morgado de Beja e uma espécie de arroz doce com ovos moles.
A mostra de doces e licores conventuais que pintou de amarelo-torrado o Mosteiro de Alcobaça (que melhor cenário?) ocupava três salas, qual delas a mais aliciante. Bancas e bancas de doces, queijadas, bolos, bolachas e licores tentavam os gulosos. A atender estavam simpáticas figuras vestidas segundo a moda de há uns séculos, que sabiam vender o seu produto.
Foi daqueles dias em que dizemos: “Hoje é para a desgraça”. O facto de haver no grupo outros grandes entusiastas das barrigas de freira, lérias e brisas do Lis serviu de agravante: todos provámos do prato de todos, com avidez, com gula, com o prazer de um pecado capital praticado entre paredes sacras. Valha-nos a bênção de um cálice de Bénédictine, doce e fortíssimo, o trabalho purificador de um flute de espumante com licor de maçã e o bafo contundente de uma cigarrilha na noite gelada de Alcobaça. É para repetir!

domingo, 18 de novembro de 2007

Sunday soundbytes (V)

Na semana passada, houve quem achasse duro falar-se aqui da morte do domingo... mas não é só no fim-de-semana que há coisas boas. Amanhã de manhã deixarei o refúgio toxofalense que tanta paz me dá, mas não tenho razões para me queixar da vida de segunda a sexta. Sem ela, nem estes tempos de ritmo diferente sabiam tão bem. É de Girl, dos Beatles, o trecho musical escolhido para este domingo, que ainda não morreu.
girl.mp3

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

Página 161, desta vez em lume brando

Descubro com 15 dias de atraso que não foi só a Ana a acorrentar-me à deliciosa cadeia da página 161, a que aderi com gosto... já antes dela Manuel Alberto Valente, d'A Origem das Espécies, me lançara o repto.

Não vejo motivo para não repetir a dose, por isso cá vai...

As regras são:
1. Pegue no livro mais próximo, com mais de 161 páginas – implica acaso e não escolha.
2. Abra o livro na página 161.
3. Na referida página procure a 5.ª frase completa.
4. Transcreva na íntegra para o seu blogue a frase encontrada.
5. Passe o desafio a cinco blogueiros.

Não me veio parar à mão um romance nem um livro de poesia, antes Na cozinha com Jamie Oliver. O resultado é este:

Deixe levantar fervura, ponha a tampa e cozinhe em lume brando durante cerca de 1 1/2 horas, até estar macio

Querem melhor para o fim-de-semana? Ainda por cima com direito a escolher os ingredientes... a mim, já agora, cabe-me escolher os próximos contemplados deste movimento: a comadre Floppy, o Pedro José, o poeta Vieira Calado, a artística e musical Mateso e alguém do meu querido Palavras da Tribo. Bom fim-de-semana e obrigado a quem tiver sido o 3000.º visitante do codornizes!

Blogues à sexta (V)

A semana do codornizes termina sempre com um blogue que valha a pena visitar. À quinta ou à sexta, consoante os afazeres, este espaço é dos camaradas do éter.

O mito de celofane ou Toto, I've a feeling we're not in Kansas anymore


A primeira coisa a dizer sobre o blogue da m. é que não sei qual dos dois nomes é o "oficial". O que não importa muito, porque gosto dos dois. Ao deixar-me envolver pelo celofane deste mito, também eu tenho, como a Dorothy d'O feiticeiro de Oz, a sensação de já não estar na sala, sentado em frente ao computador... mas o caminho para a estrada amarela está longe de ser evidente!

É este um espaço curioso, de um intimismo contido e por vezes hermético, sempre inquieto e sobre fundo escuro. A poesia está presente nos textos e nas imagens, há uma boa dose de introspecção e, para quem quiser vê-los, estímulos preciosos para pensar sobre a vida e o mundo. Gosto dos idiomas a fluir conforme os dias, porque cada um deles tem formas únicas de expressar sentimentos e ideias. Gosto de uma primeira pessoa assumida mas que não anda a exibir-se. Gosto do que conheço da autora deste blogue.

Quem aceitar esta humilde sugestão deverá preparar-se para paranóias incuráveis, Gael García Bernal a partir corações (neste caso não é um lugar-comum), um Outubro escandido em Novembro com desejos para Dezembro, uma dança electrizante e el llanto de Rebekah del Río no desconcertante Mulholland Drive de David Lynch.

Lar, doce lar



Going home é a última faixa da banda sonora original de Local hero, um filme dos anos 80. Recomendo a fita e a banda, que é de Mark Knopfler. E dedico a música à Ana Lobo da Costa, uma global hero que gosto de saber que gosta de estar em casa. E já agora, ao som da guitarrada, podemos ler este poema de António Ramos Rosa...

Casa de sol onde os animais pensam
erguida nos ares com raízes na terra
ampla e pequena como um pagode
com salas nuas e baixas camas
casa de andorinhas e gatos nos sótãos
grande nau navegando imóvel
num mar de ócio e de nuvens brancas
com antigos ditados e flores picantes
com frescura de passado e pó de rebanhos
ó casa de sonos e silêncios tão longos
e de alegrias ruidosas e pães cheirosos
ó casa onde se dorme para se renascer
ó casa onde a pobreza resplende de fartura
onde a liberdade ri segura

in Voz inicial, 1960

Cais das codornizes (II)

À primeira vista é uma música de Chico César, que lembramos cantada pela Daniela Mercury, no seu Feijão com Arroz (1996). Mais recentemente, descobrimo-la cantada por Pedro Guerra num dueto com o autor... en bilingüe!
A voz da Daniela lembra as tardes de Verão, ao pôr-do-sol, num pátio virado à Berlenga... a versão do Pedro e do Chico recorda os últimos serões românticos e algumas danças de princípio de noite.


Quando não tinha nada eu quis
Quando tudo era ausência esperei
Quando tive frio tremi
Quando tive coragem liguei
Quando chegou carta abri
Quando ouvi Prince dancei

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Manhã emersa

Elton John, I need you to turn to

Gosto da música deste gajo. Gosto desta em particular. Gostei da última vez que a ouvi. E de outra, no banco de trás de um carro, em viagem, com todos a cantar.

quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Mortadelo y Filemón

Os agentes da T.I.A fazem 50 anos! Aqui vai um abraço fuertísimo para o Mortadelo dos mil disfarces e para o seu chefe Filemón Pi (Salaminho no Brasil, Salamão em Portugal). E cumprimentos para o Superintendente Vicente, a vetusta secretária Ofélia, o desastroso professor Bactério e, em representação dos vilões, o meu preferido: Chapeau, el Esmirriau.
Os tebeos do Mortadelo, presença de longa data lá em casa, chegaram-me, sobretudo, das viagens a Espanha (às vezes iam só os meus pais e traziam-nos aquelas compilações pesadíssimas). Delicio-me com os disparates desta dupla, que, sem que déssemos por isso, fez meio século sem perder a graça. Outro abraço terá de ir, pois, para Francisco Ibáñez, o autor.

terça-feira, 13 de novembro de 2007

Poppy day

Papoilas de papel polvilham, esta semana, os campos e as cidades do Reino Unido e de outros locais do mundo. O Dia da Recordação foi anteontem, mas não será o atraso a impedir que o assinalemos aqui. Foi à 11ª hora do 11º dia do 11º mês de 1919 que foram honrados, pela primeira vez, os mortos da que então se chamava apenas Grande Guerra, e que ainda não fora ultrapassada em horror pela de 20 anos mais tarde.

Tenho especial carinho por este emblema, que não uso há muitos anos, mas a cujo significado me associo. Foi mais uma coisa que ficou das paragens que ilustrei no último voo da codorniz... impressiona ver todos os anos, diante do Cenotáfio de Londres, as lágrimas vertidas pelos veteranos, em número cada vez menor. O dinheiro da venda das pequenas flores que todos põem à lapela revertem a favor dos feridos e incapacitados da guerra.

A papoila passou a ser símbolo de paz por causa de um poema escrito pelo médico canadiano John McCrae (1872-1918), que esteve na frente belga. Foi composto em 1915, em homenagem ao seu amigo Alexis Helmer, morto em combate. É bonito. Ei-lo.

In Flanders Fields

In Flanders fields the poppies blow
Between the crosses, row on row,
That mark our place; and in the sky
The larks, still bravely singing, fly
Scarce heard amid the guns below.
We are the Dead. Short days ago
We lived, felt dawn, saw sunset glow,
Loved, and were loved, and now we lie
In Flanders Fields.

Take up our quarrel with the foe:
To you from failing hands we throw
The torch; be yours to hold it high.
If ye break faith with us who die
We shall not sleep, though poppies grow
In Flanders Fields.

Cais das codornizes


Nasce hoje uma rúbrica interblogueira - o cais das codornizes. A ideia nasceu a propósito da música Tes Gestes, que o meu cais e o codornizes publicaram em duas versões. Nesse dia, ouvimos Georges Moustaki e Serge Reggiani. Hoje, o cais volta a Moustaki e Barbara canta no codornizes. A música é La ligne droite Esperem por mais duetos...